Olá, Wawer.
Esse tema é realmente muito relevante e instigante. Cito trechos do que escrevemos no livro Como Combater a Corrupção em Licitações:
Uma discussão relevante é a validade efetiva dos índices contábeis na mitigação de riscos para o contratante. Felipe Boselli (2010b), por exemplo, defende que regimes tributários diferentes podem impactar fortemente os índices, sem, necessariamente, afetar a capacidade da empresa de atender o contrato. O autor alerta, de forma acertada, que o uso isolado dos índices contábeis deve ser acompanhado de análise criteriosa, sob pena de não representar indicador efetivo de solvência da licitante analisada.
Índices contábeis de liquidez e solvência consistem, basicamente, em relações entre o que a empresa possui e o que ela deve. São uma forma de avaliar se existem boas perspectivas de honrar compromissos e executar atividades no futuro. Por exemplo, uma liquidez geral = 1,0 significa que para cada R$ 1 que a empresa deve a terceiros (Passivo), ela tem outro R$ 1 em bens ou direitos a receber (Ativo Circulante + Realizável a Longo Prazos). Não há preocupação com prazos, para pagar ou receber, apenas os totais. Já a liquidez corrente se calcula com transações de curto prazo, do tipo circulante, concretizáveis em até um ano. Um índice de liquidez corrente = 0,5 representa que a empresa tem bens e direitos circulantes que cobrem apenas metade das dívidas circulantes.
Contudo, usar esses cálculos como modo isolado pode não servir para revelar a sustentabilidade de uma empresa. Felipe Boselli (2010b) exemplifica com análise às demonstrações contábeis de cinco anos da Petrobras (2005-2010). Nesse período, a maior empresa do País teve índice de liquidez geral bem inferior ao patamar usualmente adotado em licitação de 1,0 (um). Ou seja, a Petrobras tinha mais dívidas, no total, do que o seu conjunto de bens e direitos. Isso é comum em empresas alavancadas, que obtêm créditos de longo prazo para concretizar suas operações.
Com esse desempenho contábil isolado, se a Petrobras participasse de licitações, poderia ser impedida de competir.
Além desse problema de efetividade dos índices, há também o risco de desatualização dos dados analisados na licitação. Um edital de março, por exemplo, estará avaliando condições contábeis referentes a dezembro do ano retrasado, ou seja, uma defasagem de 15 meses.
As informações analisadas para a licitação não são atuais e, na grande maioria dos casos, não representam a realidade da empresa no momento do certame. É fato que os índices contábeis compõem uma ferramenta pericial importante para a construção de uma análise holística da empresa em questão. Não se discute a importância e relevância desse instrumento contábil. Entretanto, é questionável, a sua funcionalidade quando utilizada de forma indiscriminada, como instrumento conclusivo de análise da saúde financeira da empresa. (Boselli, 2010b). Grifamos.
Continuando esse debate, num exercício hipotético, imagine uma empresa que acabou de ser criada. Pode não ter muito dinheiro em caixa, talvez tenha um Ativo de apenas R$ 1,00. Mas também não tem dívidas, de modo que seu Passivo é zero ou próximo disso. Em nosso exemplo, digamos que seja R$ 0,50. O índice de Liquidez Corrente dessa empresa será 2. Para cada real que ela deve, tem dois em caixa. Olhando apenas para o índice, sua capacidade econômica poderia ser confundida com uma situação bastante confortável. Mas, convenhamos, você contrataria esse fornecedor para uma obra ou qualquer ajuste que exija condições financeiras para cumprir as obrigações?
O fato é que, considerando que a grande maioria das empresas participantes de licitações não possuem obrigação de publicar suas demonstrações, não há processos de controle, seja interno ou independente, quanto à fidedignidade das informações e, levando em conta, ainda, o método simplista e genérico de avaliação da “boa situação financeira” da empresa, a exigência pode se tornar pouco efetiva, isso se não acabar sendo prejudicial à ampla concorrência.
Ao ignorar peculiaridades de mercado, setores econômicos e outros fatores relevantes para análise das demonstrações contábeis, além de ignorar a ausência de instrumentos de auditoria e acreditação das informações divulgadas por empresas não submetidas a normas contábeis mais rigorosas, o governo pode estar usando critérios tecnicamente frágeis, que não se sustentam ao ser observados à luz dos princípios contábeis.
Fórmulas simplistas e genéricas de índices contábeis, iguais para toda e qualquer empresa, modalidade ou objeto, acreditando que isso demonstra “boa saúde financeira”, pode não representar a melhor forma de gerenciar os riscos.
Espero ter contribuído.