O modelo de TR de compras da AGU tem previsão para exigir, conforme o caso, atestado para compras de bens.
A AGU, ao que parece, interpretou que a capacidade operacional pode ser exigida em fornecimento de bens.
Encontrei modelos similares, procurando rapidamente, no estado de Mato Grosso do Sul e Santa Catarina.
Desconfio que a questão vai acabar no ringue dos tribunais.
Há fatores complexos na discussão. Existem fornecimentos de variados níveis de risco. Agora é possível o fornecimento continuado, o que tende a acrescentar riscos ao contexto anterior.
No fornecimento de bens, o grande mecanismo de controle, grosso modo, é o recebimento. Uma vez reconhecido que o objeto entregue atende às especificações, boa parte dos riscos foram mitigados.
Pode-se argumentar que para mitigar riscos até a fase de recebimento dos bens, a lei prevê critérios de qualificação jurídica e econômica. E sanções em caso de descumprimento.
Ah, mas no fornecimento de bens pode ter assistência técnica, garantia, instalação, testes, ajustes. Isso são obrigações acessórias, que podem ou não estar presentes no caso concreto e que podem estar relacionadas ao fabricante e não ao revendedor. Os níveis de complexidade são tão variados quando os tipos de bens que adquirimos. Chega a ser nebulosa a fronteira entre ‘fornecimento’ e ‘serviço com fornecimento’ em alguns casos.
Pode-se alegar que outros riscos no fornecimento se referem mais às capacidades logísticas do fornecedor, em especial o prazo de entrega, desembaraço aduaneiro, transporte, armazenamento, carga e descarga, montagem, instalação.
Para esses riscos, a Lei 8666 previa o atestado de experiência em objeto semelhante, em condições (etapas mais relevantes) também semelhantes.
Mas a omissão de ‘fornecimento de bens’ na qualificação técnica da Lei 14133/2021 parece ter mudado a situação. Digo ‘parece’ porque o caso comporta, como quase tudo, interpretação. No cenário da lei antiga, tivemos vários elementos introduzidos ou alterados pela jurisprudência. Provavelmente teremos uma reedição disso na aplicação da NLL.
Resumindo: há casos em que os riscos do fornecimento pretendido podem sugerir tratamento mais rigoroso na seleção do fornecedor. Possivelmente a mitigação nesses casos será por atestados, por enquanto, onde os modelos permitem, até que se consolide ou se modifique o entendimento pela jurisprudência.
É bom lembrar que, se for exigido atestado, não vale só escrever: comprovar a aptidão para fornecimento de bens em características e quantidades e prazos compatíveis com o objeto da licitação. Isso é genérico, deixa a coisa subjetiva. Tem que esclarecer objetivamente como será aferida a compatibilidade em termos de características, quantidades e prazos, conforme o caso concreto. É fundamental descrever parâmetros objetivos no instrumento convocatório. E levar em conta as parcelas relevantes e atreladas à gestão de riscos documentada e justificada.
Para me ajudar na argumentação, invoco o voto do Ministro José Múcio no Acórdão 891/2018-TCU-Plenário, ainda na lei antiga, mas, para mim, ainda válida:
- Essa obrigação, entretanto, não é mera formalidade e está sempre subordinada a uma utilidade real, ou seja, deve ser a mínima exigência capaz de assegurar, com algum grau de confiança, que a empresa contratada será capaz de fornecer os bens ou serviços adquiridos. Em consequência, a documentação a ser fornecida deve guardar relação com o objeto pretendido no sentido de que aquisições mais simples demandarão menos comprovações e, contrario sensu, as mais complexas exigirão mais salvaguardas.*
Essa belezura de voto tem o mesmo teor do Art. 14 do DL-200/67: os controles devem ser proporcionais aos riscos. E aplicáveis ao caso concreto.
Espero ter contribuído.