Exigência de atestado de capacidade técnica

Prezados, boa tarde!

Estou iniciando um processo de compra e esbarrando na exigência do atestado de capacidade técnica da empresa. O produto a ser adquirido nunca foi comprado no Brasil e as empresas não conseguem comprovar a venda e prestação da garantia exatamente por isso. Foi localizado duas empresas que vendem produtos similares e que nos atende, impossibilitando inexigibilidade.

Existe alguma outra forma de qualificar a empresa? Posso exigir um depósito de garantia? Tem alguma previsão legal que me permite não exigir este documento?

Obs.: O único documento que ambas empresas possuem é uma declaração técnica do fabricante que a empresa está apta a revender e prestar garantia no produto.

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Bruno, a decisão sobre exigir OU NÃO o atestado depende do caso concreto, ponderados riscos, complexidade e materialidade do objeto. Nem sempre será obrigatório exigir atestado. Veja que a lei de licitações faz a ressalva:

Art. 30
§ 4o Nas licitações para fornecimento de bens, a comprovação de aptidão, quando for o caso, será feita através de atestados…

Uma saída, havendo comprovação de que o material é inédito no Brasil, pode ser a comprovação de fornecimento prévio de objeto similar, do mesmo ramo, da mesma área industrial ou algo nessa linha. Não precisa ser necessariamente aquele exato objeto, naquelas exatas especificações pretendidas na licitação. Aliás, restringir a coisa nesses termos tende a ser irregular.

Veja que, sobre o tema “capacidade técnica”, existe a Súmula 263 do TCU:

‘Para a comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes, e desde que limitada, simultaneamente, às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado, é legal a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes, devendo essa exigência guardar proporção com a dimensão e a complexidade do objeto a ser executado.’

Essa jurisprudência, portanto, não se aplica, necessariamente, ao fornecimento de bens, embora seja uma referência muito relevante. O fornecimento de bens, em tese, genericamente falando, pressupõe menos riscos que os demais objetos (Obras e Serviços).

No fornecimento de bens, o grande mecanismo de controle é o recebimento. Uma vez reconhecido que o objeto entregue atende às especificações, boa parte dos riscos foram mitigados.

Uma analogia que pode fazer sentido é com os serviços gerais de apoio administrativo. No célebre Acórdão 1214/2013-P, o TCU reconheceu que mais vale a experiência da empresa com “gestão de empregados terceirizados” do que na função específica. Para o TCU, mais vale exigir aptidão para gestão de mão de obra do que a experiência prévia no serviço terceirizado idêntico ao que se está licitando, como copeiragem, recepção, vigia, contínuo. Sobre o tema, farta jurisprudência do TCU, notadamente os Acórdãos 1.214/2013-TCU-Plenário, 1.443/2014-TCU-Plenário, 744/2015-TCU-2ª Câmara e 668/2005-TCU-Plenário.

Ah, mas no fornecimento de bens pode ter assistência técnica, garantia. Isso são obrigações acessórias, que podem ou não estar presentes no caso concreto e que podem estar relacionadas ao fabricante e não ao revendedor.

Pode-se alegar que outros riscos no fornecimento se referem mais às capacidades logísticas do fornecedor, em especial o prazo de entrega, desembaraço aduaneiro, transporte, armazenamento, carga e descarga, montagem, instalação. Se de fato esses forem riscos relevantes no caso concreto, podem ser sopesados e controlados com atestado de experiência em objeto semelhante, em condições (etapas mais relevantes) também semelhantes, deixando objetivamente claro no edital o que será considerado “semelhante”.

Resumindo: há casos em que os riscos podem demandar a exigência de atestados de fornecimento de objeto de características idênticas ao que se está licitando. Há outros casos em que tais características poderão ser similares - e deverá ficar claro o que será considerado similar. E há casos em que nenhum atestado será necessário, pelo baixo nível dos riscos envolvidos. Tudo depende do caso concreto.

Não vale só escrever: comprovar a aptidão para fornecimento de bens em características e quantidades e prazos compatíveis com o objeto da licitação. Isso é genérico, deixa a coisa subjetiva. Tem que esclarecer objetivamente como será aferida a compatibilidade em termos de características, quantidades e prazos, conforme o caso concreto. É fundamental descrever parâmetros objetivos no instrumento convocatório.

Para me ajudar na argumentação, invoco o voto do Ministro José Múcio no Acórdão 891/2018-TCU-Plenário:

7. Essa obrigação, entretanto, não é mera formalidade e está sempre subordinada a uma utilidade real, ou seja, deve ser a mínima exigência capaz de assegurar, com algum grau de confiança, que a empresa contratada será capaz de fornecer os bens ou serviços adquiridos. Em consequência, a documentação a ser fornecida deve guardar relação com o objeto pretendido no sentido de que aquisições mais simples demandarão menos comprovações e, contrario sensu, as mais complexas exigirão mais salvaguardas.

Essa belezura de voto tem o mesmo teor do Art. 14 do DL-200/67: os controles devem ser proporcionais aos riscos. E aplicáveis ao caso concreto.

Espero ter contribuído.

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