Excelente pergunta, Leonardo.
A primeira abordagem que me vem à cabeça. Precisamos/devemos detalhar tudo? Vale a pena? Faz sentido? A empresa que presta o serviço não deveria ter a responsabilidade e a experiência, a especialidade de conhecer bem a atividade e saber o que será utilizado? Deve o contratante descrever tudo em detalhes?
Ah, Franklin, mas e o comando da Lei 10.520, do Pregão, que exige a definição do objeto de forma precisa, suficiente e clara, além do orçamento, como peças do planejamento da contratação? E a Lei 8666, a qual exige orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários?
Bem, esse é um desafio de argumentação. Dos bons. Tentarei fundamentar meu ponto de vista.
O detalhamento deve ser suficiente à precisa identificação do objeto. Se um elemento desse objeto representa parcela diminuta do seu valor total, será que precisa ser totalmente detalhado? Especialmente itens estimativos?
Olhando para a jurisprudência do TCU, vemos a Súmula 258/2010, que proíbe o uso da expressão ‘verba’ ou de unidades genéricas no orçamento, sem detalhamento de cada item.
Mas aí lemos, no recentíssimo Acórdão 2833/2020-P, o reforço de que deve ser evitado “utilizar grandes ‘grupos funcionais’ para mão de obra ou outras unidades genéricas do tipo ‘quantia fixa’ ou ‘verba’”.
No Acórdão 2827/2014-P, também vemos problemas relacionados com “parcela materialmente relevante” sem detalhamento, remunerada como verba.
Invoco esses dois julgados para defender uma lógica já bastante conhecida de quem me lê no Nelca: controles proporcionais ao risco, do artigo 14 do DL 200/67.
Conjuro, ainda, de forma mais específica, o célebre Acórdão 1214/2013-P que tratou de drásticas mudanças nos controles dos serviços terceirizados, justamente avaliando riscos, custos, beneficios, proporcionalidade.
Naquele julgado, o TCU se debruçou sobre o relatório de um Grupo de Trabalho, que tratou do tema “insumos” na planilha de custos:
183. Os insumos são compostos, majoritariamente, por itens que possuem respaldo na Convenção Coletiva da Categoria. Os demais, passíveis de realização de pesquisa de mercado, são: uniforme, Equipamento de Proteção Individual- EPI e manutenção de equipamentos.
184. Quanto a esses itens, tratam-se de insumos, cuja soma, corresponde a no máximo 5% do orçamento total a ser licitado, como vem sendo demonstrado em licitações recentes. Tendo por parâmetro a curva ABC, indiscutivelmente esses itens não estão entre os mais representativos da planilha orçamentária. Ao mesmo tempo, importa lembrar que fazemos parte de uma economia estável, em que a variação esperada é baixa e pode ser perfeitamente retratada mediante a utilização de índices nacionais, tal como o INPC. Portanto, não há razão para efetuar pesquisa de mercado todas as vezes que é necessária a realização de prorrogação contratual, com todo o custo administrativo que representa.
185. A título de exemplificação, recentemente foi realizado um procedimento licitatório para contratação de serviço de manutenção predial do Tribunal de Contas da União. Nesse contrato, durante o procedimento licitatório realizou-se pesquisa de mercado para quase 200 diferentes insumos, sendo alguns deles referentes a uniformes e EPIs e a maioria para estimativa de manutenção de equipamentos. É notório que o custo/prazo que será despendido para a realização de pesquisa de mercado para a prorrogação do contrato, além de impeditivo, não é aconselhável em vista da baixa representatividade desses itens no orçamento global.
O Ministro-Relator, Aroldo Cedraz, ponderou que a relação custo x benefício desse tipo de pesquisa de mercado revela-se bastante desfavorável ao erário. A análise girou em torno da necessidade de pesquisa na prorrogação, mas não vejo motivo para deixar de fazer sentido na estimativa da contratação. Como se defendeu no Acórdão 1214/13, é alto o custo administrativo para a realização desse tipo de pesquisa, aliado aos benefícios limitados dela resultantes.
Do licitante, sim, deve-se exigir o detalhamento integral. E isso já ficou claro no Acórdão 2037/2019-TCU-Plenário, em que se reforça a necessidade de exigir a entrega da Planilha de Custos e Formação de Preços, a fim de minimizar o risco de sobrepreço:
9.1.3.9. a exigência do fornecimento à Administração da planilha de custo e formação de preço pelo vencedor da licitação, juntamente com a proposta de preços, é medida que contribui para minimizar o risco de sobrepreço; e
9.1.3.10. o valor estimado e contratado deve ser compatível com a planilha de custo e formação de preço, que deverá ser elaborada na fase de planejamento da contratação, com o fito de calcular o valor estimado da contratação e estabelecido no Termo de Referência
Pois bem. Construo, com isso, os alicerces da proposta que defendo: para o valor ESTIMADO da contratação, seria possível adotar parâmetros simplificados nos itens de baixa relevância material no valor total. Para o valor PROPOSTO pelo licitante, devem ser detalhados todos os custos unitários.
Digamos que eu pesquise 20, 30 licitações recentes de objetos similares. E verifique média de 1% do impacto do uniforme no valor total do posto de trabalho. Vale a pena detalhar esse item em seus componentes? Não seria viável inserir no orçamento estimativo o item “uniforme” com valor unitário correspondente a 1% do valor total do posto, descrevendo, no TR, as diretrizes desse item?
Se tivermos que detalhar os componentes do uniforme, sua descrição exaustiva, pesquisar o preço de cada um dos componentes, será que o custo administrativo de fazer essa pesquisa poderia ser maior do que o risco? Quanto custaria a pesquisa nesses moldes?
Lembro da norma interna do TCU, a Portaria 128/2014, que regulava a licitação e a execução de contratos de serviços no âmbito do Tribunal. Ali havia um dispositivo que eu admirava muito.
Art. 9º A estimativa de preço…
§ 2º Havendo contrato em andamento, a pesquisa de preços poderá ser feita contemplando os materiais que representem, no mínimo, 60% do preço total de materiais do contrato vigente.
§ 3º Os preços dos materiais que não tenham sido objeto de pesquisa poderão ser corrigidos pela pela variação percentual apurada entre os preços dos itens pesquisados na forma do § 2º deste artigo
Infelizmente, esse dispositivo deixou de existir com a Portaria 444/2018, regulamento mais recente.
Mas a ideia continua me parecendo absolutamente válida. Pesquisar o que vale a pena, o que é relevante. E o restante, simplificar.
O próprio TCU já recomendou algo semelhante, em compras, quando emitiu o Acórdão 2.096/2013-Plenário, recomendando a um órgão o seguinte:
a utilização da curva de Pareto (curva ABC) para a aplicação da recomendação anterior [pesquisa de preços], de forma a ser efetuada uma análise mais aprofundada nas aquisições de medicamentos de maior valor total de aquisição (medicamentos classificados no grupo “A” da curva ABC) e a ser efetuada uma análise mais expedita nas aquisições de medicamentos de menor valor total (medicamentos classificados no grupo “C” da curva ABC. (TCU. Acórdão 2.096/2013-Plenário)
Essa abordagem é bastante racional. Curva ABC. Itens muito relevantes: pesquisa rigorosa. Itens irrelevantes: pesquisa simplificada.
Ufa. Escrevi muito. E talvez nem tenha respondido o que você esperava ler. Mas você perguntou “como eu faria” a pesquisa…
De qualquer forma, a alternativa, detalhando uniformes, EPIs e ferramentas, poderia se valer de valores de referência. Por exemplo, para uniformes, existem os valores previstos nos cadernos de limpeza e vigilância da Seges, ou os valores definidos nos cadernos do CADTERC de São Paulo.
Também seria possível obter médias de preços de planilhas de propostas vencedoras de licitações similares. É o método que eu recomendo. Buscar no Comprasnet (pelo textual de editais) ou no Painel de Preços, os dados de UASG e Pregão recentes de objetos semelhantes e baixar as planilhas homologadas. Ali há detalhamento que pode servir de referência. Para uniformes, EPI e até ferramentas.
Eu usaria a mediana, como simplificação, para evitar riscos de viés dos extremos.
No caso de ferramentas, geralmente se aplica o custo de aquisição, diluído pela vida útil estimada. Trabalhoso. Olha o custo/benefício aí.
Espero ter contribuído. Empolguei. Que diversão boa para uma sexta-feira à noite…