@leonardo_raposo!
De fato, tais situações são perfeitamente possíveis e já sabemos que as empresas podem optar por estratégias como por exemplo a liquidação de estoque ou a penetração de mercado.
O que eu acho que pode não ter ficado claro é o conceito de preço inexequível. É um termo técnico específico da área de licitação, e precisa ser interpretado e aplicado dentro dessa ótica.
Na Lei nº 8.666, de 1.993, consta a forma correta de tratar sobre preços inexequíveis:
Art. 48. Serão desclassificadas:
II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexeqüiveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
Como se vê, na 8.666 o preço inexequível é aquele que não teve comprovação documental de razoabilidade dos custos. Não é o órgão licitante quem declara que o preço é inexequível, e sim a empresa, que possui o dever legal de comprovar que seu preço é exequível.
E isto não significa que a empresa não possa adotar a liquidação de estoques, por exemplo. Basta que ela traga aos autos DOCUMENTOS QUE COMPROVEM o que ela está alegando. Só alegar que está liquidando o estoque não comprova nada.
Um caso real que ocorreu comigo, para ilustrar:
Uma empresa de MS entrou na nossa licitação de toner para fornecimento em SE, ofertando um produto a preço inferior a 25% do valor estimado. Ou seja, 75% mais barato do que o preço real de mercado, que a gente pesquisou (sim, conferimos nossa pesquisa de preços e ela estava correta).
Eu como pregoeiro, abri uma diligência e solicitei que ela me enviasse os tais “documentos que comprovem”, previstos na lei. Ela me explicou a situação e me enviou documentos lastreando a história.
Ocorreu um incêncio parcial no depósito dela, e era tudo segurado. Devido à impregnação por fumaça, o laudo da seguradora deu perda total no estoque, mesmo que o calor não tenha danificado todos os produtos.
Porém, ao saber que uma empresa de SP fazia a higienização, extraindo o cheiro de fumaça sem danificar o produto, eles fizeram isto e obtiveram um laudo de engenheiro atestando a funcionalidade do produto, que estaria apto para a venda. Ou seja, ela recebeu de volta esse estoque parcial a custo quase zero, já que é um produto bem caro mas ela só teve que pagar o custo do frete e da higienização.
Assim, ela COMPROVOU DICUMENTALMENTE que o CUSTO dela era razoável para me oferecer o tonner com 75% de desconto em relação ao preço de mercado. Ela apresentou documentos comprovando tais fatos. Não foi uma mera declaração do tipo “garanto que irei cumprir fielmente o contrato”.
E notem que estamos falando de CUSTOS e não de preço de venda. A lei não admite comprovação de preço de venda para fins de exequibilidade, mas muita gente usa isto.
Já na Lei nº 14.133, de 2021, a redação é um pouco diferente, mas ainda vai no mesmo sentido:
Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que:
III - apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação;
IV - não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração;
E ao regulamentar o julgamento das propostas nas licitações da NLLC, a Instrução Normativa SEGES/ME nº 73, de 2022, fixa que:
Art. 34, Parágrafo único. A inexequibilidade, na hipótese de que trata o caput, só será considerada após diligência do agente de contratação ou da comissão de contratação, quando o substituir, que comprove:
I - que o custo do licitante ultrapassa o valor da proposta; e
II - inexistirem custos de oportunidade capazes de justificar o vulto da oferta.
Ou seja, prevê-se expressamente que a empresa pode ter custos de oportunidade em manter um estoque parado, por exemplo, o que justificaria liquidar ele na licitação. Basta que ela apresente documentos que COMPROVEM tais fatos. Só “contar estorinha” não basta.
E, por fim, notem que, tanto na lei antiga quanto na nova a desclassificação de uma proposta com preço inexequível não é faculdade e sim dever legal. Não consta na lei que PODERÃO ser desclassificados e sim que SERÃO desclassificados. Não é uma opção dada ao comprador público e sim uma obrigação legal.