Pagamento pelo Fato Gerador: Gestão Orçamentária e Restos a Pagar

Caros colegas,

Uma das problematizações na implementação do pagamento pelo fato gerador se dá pela complexidade - a quem diga impossibilidade - do planejamento orçamentário.

Tenho primeiramente 2 perguntas:

  1. O que fazer com o crédito orçamentário economizado de cada exercício?
  • 1.1. Inscrever em RP?!;
  • 1.2. Utilizar em outros gastos da UG?!; ou
  • 1.3. Reverter/anular o crédito a mero título de economia?! Esta com certeza é a “solução” mais condenada entre os gestores.
  1. Qual fonte (sentido amplo) utilizar para o pagamento do último mês de contrato?
  • Aquela inscrita em Restos a Pagar – RP?!; e/ou
  • Oriunda de reforço a solicitar à Unidade Orçamentária - UO?!

A resposta para a segunda pergunta me parece que estaria no item “5.4. Pontos de Atenção”, página 68, do Caderno de Logística - Pagamento pelo Fato Gerador:

• Ao final do contrato, caso o valor empenhado seja inferior ao da quitação das rubricas, o gestor público poderá:

Realizar (reforço) empenho de contrato continuado; ou

Registrar em restos a pagar o remanescente do empenhado no ano anterior, seguindo o que dispõe a Seção VIII do Capítulo III do Decreto nº 93.872, de 23 de dezembro de 1986.

Obs.: A título de exemplificação, retoma-se a simulação do item d.5 deste Caderno, em que a diferença entre a despesa estimada (empenhada para execução do 5º ano) e a liquidada foi de R$ 2.075,05 (dois mil e setenta e cinco reais e cinco centavos), ou seja, 1,21% (um inteiro e vinte e um centésimos por cento) do valor empenhado. Nesta situação, o gestor, a seu critério, poderá realizar (reforçar) o empenho de contrato continuado ou registrar, em restos a pagar, o remanescente do empenhado no ano anterior.

Quanto ao “reforço de empenho de contrato continuado” acima citado, pergunto aos colegas: como se daria nos casos em que já há restrições orçamentárias na UG ou UO? Qual seria o impacto se várias UGs solicitassem esse reforço sem o devido controle pelos Órgãos e/ou Unidades Orçamentários? O pedido seria clara falta de planejamento e protelação do real problema?

Já quanto a utilização de RP do ano anterior, creio que o Caderno, tenha se fundado no próprio exemplo (abaixo) da projeção constante a página 66, qual seja:

(iii) No 5º ano, como é pressuposto desta Simulação, os empregados terão seus contratos de trabalho finalizados (Jorge a pedido, Fernanda com APT e Augusto com API), de modo que a despesa liquidada ultrapassou a despesa estimada em R$ 2.075,05 (dois mil, setenta e cinco reais e cinco centavos), o que representa apenas 1,21% (um inteiro e vinte e um centésimos por cento) do valor empenhado;

Mas no caso de um contrato não iniciar em janeiro e encerar em dezembro, será que o percentual de 1,21% se manteria? Será o valor de 1,21% uma estimativa confiável para todo e qualquer contrato?

Trago como exemplo dados do Contrato nº 09/2019-SR/PF/SC a efeito de comparação:

Ano Empenhado Pago Economia
2019 (9 meses) R$ 1.399.842,34 R$ 1.114.111,68 R$ 285.730,66 (20,41%)
2020 R$ 1.970.691,96 R$ 1.505.621,14 R$ 465.070,82 (23,60%)
2021 R$ 2.028.798,07 R$ 1.707.940,80 R$ 320.857,27 (15,82%)
2022 R$ 2.182.392,60 R$ 1.987.386,29 R$ 195.006,31 (8,94%)
2023 (8 meses) R$ 1.559.598,36 R$ 1.265.717,37 R$ 293.880,99 (18,84%)
SubTotal R$ 9.141.323,33 R$ 7.580.777,28 R$ 1.562.048,07 (17,07%)

Visto que temos apurados processos até agosto/2023, projetei, contendo todas as ocorrências estimadas pendentes, os meses subsequente até o final do contrato (31/03/2024), perfazendo o seguinte montante:

Ano Empenhado Pago Economia
2023 (4 meses) R$ 780.264,52 R$ 790.347,33* (R$ 10.082,81) (-1,29%)
2024 (3 meses) R$ 585.198,39 R$ 773.444,97* (R$ 188.246,58) (-32,17%)
Total R$ 10.506.786,24 R$ 9.144.569,58 R$ 1.362.216,66 (12,97%)

*Acréscimo 5% nos valores pagos entre set/23 a fev/24, conforme tendência.
Dados sem projeção de repactuação em 2024 (conjeturando mantido o percentual de economia)

Conforme expressa o Caderno Técnico, para este caso, bastaria inscrever em restos a pagar o valor empenhado e não pago em 2023, o qual totaliza R$ 283.798,18 (295.383,01 – 10.082,81), para custear o excedente de R$ 188.246,58 a ser pago no mês de março/2024.

Embora o percentual de economia trazido no último ano tenha restado -32,17% seja bem superior ao daquele estimado no Caderno (-1,21%), o valor economizado no ano anterior ainda seria suficiente para o seu custeio – com os dados que consegui coletar/projetar.

Mas e se o excedente de gastos do 5º ano, por algum motivo não controlado, for superior ao inscrito em RP do ano anterior?

Então teremos que voltar a pergunta anterior: como ocorria essa complementação (sic) de crédito orçamentário economizada em anos anteriores?

Antes, devemos responder outra pergunta: Os saldos economizados nos primeiros anos, a fim de não proceder anulação de orçamento, podem ser utilizados para outros gastos (mesma natureza) da Unidade Administrativa? Ressalvado saldo parcial mencionado ao final do texto, creio que a resposta deveria ser “Não”!

Notem que o gestor apenas saberia o montante economizado após o prazo de inscrição de RP, daí a impossibilidade de se empenhar parte da dotação em outro gasto. Indo além, nada afasta a possibilidade de não haver prorrogação do contrato no ano subsequente, fazendo imprescindível a inscrição do saldo economizado em RP.

Imaginemos o mesmo caso citado anteriormente, replicando os gastos estimados em 2024 para 2020, sendo em março de 2020 o encerramento sem prorrogação: necessitaríamos dos mesmos R$ 188.246,58 (ajustado ao valor presente – sem reajustes) que deveriam ser “amortizados” dos R$ 285.730,66 economizados e inscrito em RP em 2019.

Desse modo, para mim, seria defeso a não inscrição em RP de todo o saldo economizado pelo fato gerador.

Será que a economia gerada por um único ano sempre trará garantia para suportar o mês das quitações trabalhistas? Em razão de o RP é vinculado ao fornecedor, “perderíamos” o recurso (RP inscrita e anulada) de todo o valor economizado e macularia a programação/planejamento orçamentário? Afinal, quando a Administração poderia utilizar essa economia em outros serviços?

Primeiramente, transcrevo trecho do Decreto nº 93.872, de 23 de dezembro de 1986, acerca dos Restos a Pagar:

Art. 68.§ 2º Os restos a pagar inscritos na condição de não processados e que não forem liquidados serão bloqueados pela Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda em 30 de junho do segundo ano subsequente ao de sua inscrição, e serão mantidos os referidos saldos em conta contábil específica no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – Siafi.
(…)
§ 6º A Secretaria do Tesouro Nacional da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia providenciará, até o encerramento do exercício financeiro, o cancelamento, no Siafi, de todos os saldos de restos a pagar que permanecerem bloqueados.
§ 7º Os restos a pagar não processados, desbloqueados nos termos do § 4º, e que não forem liquidados, serão cancelados em 31 de dezembro do ano subsequente ao do bloqueio.
(…)
Art . 21. Pertencem ao exercício financeiro as despesas nela legalmente empenhadas (Lei nº 4.320/64, art. 35, II).
Art . 22. As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida, e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente, poderão ser pagos à conta de dotação destinada a atender despesas de exercícios anteriores, respeitada a categoria econômica própria (Lei nº 4.320/64, art. 37).

Art . 27. As despesas relativas a contratos, convênios, acordos ou ajustes de vigência plurianual, serão empenhadas em cada exercício financeiro pela parte nele a ser executada.

Art. 30. (…) § 2º Somente poderão ser firmados contratos à conta de crédito do orçamento vigente, para liquidação em exercício seguinte, se o empenho satisfizer às condições estabelecidas para o relacionamento da despesa como Restos a Pagar.

Conforme se extrai dos dispositivos, não poderia a Administração registrar em Restos a Pagar valores que deveriam ser provisionados do 1º ano de um contrato para suprir os custos advindos das rescisões de contrato de trabalho dos colaboradores no 5º ano, visto que aquele saldo (1º ano provisionado e ainda não pago) seria cancelado no encerramento do exercício financeiro subsequente, com as devidas exceções expostas.

Há quem possa dizer que a despesa inscrita em RP acompanha o exercício a que se refere e, por isso, em hipótese alguma se poderia utiliza-lo para custear uma despesa futura.

Contudo, sabemos que a própria “SEGES”, em resposta à consulta formulada sobre o tema, por meio da Nota Técnica nº 10671/2022/ME, reafirmou o conteúdo do Caderno Técnico, vejamos:

Cgnor: Conforme já abordado anteriormente nessa Nota Técnica, os materiais disponibilizados pela Secretaria de Gestão são modelos e os órgãos e entidades devem adequar conforme suas necessidades. Dito isso, o Caderno de Logística de Pagamento pelo Fato Gerador trouxe alguns pontos de atenção em sua página 66, já prevendo algumas possibilidades do órgão ou entidade necessitar de mais recurso para quitação do contrato.

Assim sugere-se que seja avaliado o item “5.4. Pontos de Atenção” na página 66 do referido Caderno, pois entende-se que tais pontos respondem ao questionamento referente ao valor empenhado ser inferior ao da quitação das rubricas.

Afinal, poderia a administração inscrever em RP uma despesa que não se refira ao exercício de seu fato gerador? Para uma resposta negativa, devemos entender que a dotação orçamentária anual do contrato DEMO deve ser vinculada às rubricas que compõem a PCFP, ou seja, haveria a exigência de o gestor detalhar os custos do contrato DEMO para cada exercício?

Exemplo prático*: O custo das Férias concedidas em janeiro/X1 para um colaborador, deve ter como correspondência o empenho restrito aos valores de X1 ou se poderia interpretar que a dotação desse fato gerador teve origem durante todo o período aquisitivo (janeiro/x0 a dezembro/X1)?*

Lembro que na contabilidade, pelo princípio da competência, provisiona-se custos de férias ao longo do período aquisitivo do colaborador e, por esse motivo, produz efeitos ao direito do fato gerador em exercícios distintos, conforme o caso. Creio que não há como afirmar que o fato gerador realmente se deu em um ano ou outro exercício, corroborado pelo tópico “v” da Nota Técnica nº 10671/2022/ME.

Ora, se entendermos que a dotação orçamentária do contrato de terceirização não teria vinculação ao custo unitário das rubricas em si, mas ao valor total do contrato e seu provisionamento, não haveria, então, qualquer objeção de utilizarmos RP de um contrato DEMO para custear quaisquer custos da PCFP, independentemente do exercício.

Notem que o que eu ressalto aqui não é o mesmo que pagar toda e qualquer prestação de serviço em exercícios distintos, mas sim inscrever em RP as estimativas de quitação das obrigações trabalhistas imprevisíveis do serviço, as quais não podem ser vinculadas a um exercício financeiro específico. Se assim não fosse, também não se poderia empenhar e pagar valores destinados à Conta-Depósito Vinculada, visto que lá estão valores que ainda não ocorreram seus fatos geradores, ainda que estes não sejam por meio de RP, contudo segue a mesma lógica: empenho/pagamento de fato gerador ainda não ocorrido.

Portanto, creio que uma solução provisória para que haja certo controle orçamentário sobre as “economias” e o resguardo do último mês de pagamento para o Fato Gerador, seria, considerando sempre a possibilidade de não haver prorrogações no contrato, utilizar o RP para pagamentos dos primeiros meses do exercício subsequente. Vejamos o mesmo exemplo citado anteriormente:

Uma vez economizados R$ 285.730,66 em 2019 e esse valor tenha sido inscrito em RP, utilizá-lo-íamos para pagamentos das parcelas mensais de janeiro e parte de fevereiro do ano 2020 (média de R$ 164.224,33). Ao final de 2020, teríamos um saldo orçamentário de R$ 750.801,48, que por sua vez também seriam inscritos em RP a fim de custear os primeiros meses do próximo ano, e assim por diante.

Sobre tudo, seria eficiente deixar toda a economia gerada do contrato, desde o primeiro ano, inscrita em RP? A economia gerada pela modalidade deve ser conhecida somente ao final do contrato? Será que há um percentual mínimo do valor mensal ou do contrato que garantiria as quitações trabalhistas do último mês?

Como tenho poucos dados, fica difícil encontrar algum percentual do contrato para que se garanta o valor das quitações trabalhistas.

Contudo, considerando que no meu exemplo, nosso último valor mensal estava estimado em R$ 195.066,13 e o valor a apurado/estimado foi de R$ 455.701,62, talvez essa diferença (~1,3 vezes a mais do valor mensal, neste caso, R$ 260.635,49, podendo se arredondar para 1,5) já seria uma boa margem, a deixar inscrito em RP, para que se garanta todos os custos do último mês de contrato.

Percebamos que esse fator seria suficiente também para cobrir os custos do exemplo dado no Caderno Técnico (pg. 49):

Assim, a cada ano, o gestor ficaria resguardado com uma possível não prorrogação, utilizando sempre o RP inscrito para pagamentos dos primeiros meses dos serviços, e administrando o saldo contratual para inscrever novamente em RP o valor daquele índice (ou outra melhor estimativa), sabendo que poderia utilizar esse excedente em outras atividades, conforme caso a caso.

Por fim, uma outra solução a ser pensada no longo prazo, seria utilizar uma conta contábil de controle “classe de compensação” (haveria de se criar) específica para esse fim, similar a Conta-Depósito Vinculada, mediante funcionalidade no sistema Compras-Contratos com campo da economia trazida.

Assim, respondemos as perguntas iniciais:

  1. O que fazer com o crédito orçamentário economizado de cada exercício?
    R: Inscrever em RP (enquanto não vier uma ferramenta de melhor controle), utilizando o crédito em outros gastos, conforme controle do gestor, mantido o valor mínimo das quitações do mês final do contrato.

  2. Qual fonte (sentido amplo) utilizar para o pagamento do último mês de contrato?
    R: Aquela inscrita em Restos a Pagar – RP do ano imediatamente anterior, em um valor predefinido pelo gestor, haja vista não haver, a priori, qualquer necessidade de solicitação de crédito suplementar.

Lembro que minha intenção é tão somente trazer esse assunto à discussão, a fim de dar início a boas práticas e apontamentos de óbice/lapso nas considerações e conjecturas acima, assim como outras soluções de gestão orçamentária, haja vista a economicidade trazida por essa modalidade de pagamento/controle de riscos, mas que assola os gestores por falta de “histórico/precedentes”.

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Adendo:

Em tempo, creio interessante a leitura do tópico Contrato continuado - Restos a pagar - NELCA - GestGov, o qual - em certo ponto - abarca contraponto da tese/presunção do comentário acima.

Destaco principalmente o comentário do professor @ronaldocorrea:

Notemos que a pressuposição de meu comentário implica na despesa já ter sido iniciada, não se tratando de uma nova despesa “à gastar”, mas sim de valor já previamente estimado na PCFP e provisão de “provável saída de recursos” - melhor estimativa.

Oportunamente, registro alguns pontos do MCASP:

Os empenhos globais devem contemplar as parcelas previstas dentro do exercício financeiro ao qual pertence a referida dotação orçamentária. Em atenção ao Princípio da Anualidade Orçamentária, recomenda-se que não seja utilizada dotação orçamentária de um exercício financeiro para cumprir obrigações em exercícios financeiros futuros.
Em casos excepcionais, a norma prevê a possibilidade de inscrição em restos a pagar relativos
aos créditos orçamentários que não foram executados integralmente durante o exercício. Porém, esses valores foram consignados no orçamento, o que difere de despesas contratuais que estão previstas para serem executadas ao longo de vários exercícios. Logo, a prática de empenhar por seus montantes totais ou despesas sujeitas a parcelamento que excedem o exercício financeiro pode gerar o uso excessivo dos restos a pagar não processados, que deveria ser residual.

Contudo, reitero que se não fosse possível a inscrição de RP desses valores de Pagamento pelo Fato Gerador, por serem alheios ao exercício financeiro, também deveria ser “contra legem” o próprio pagamento da Conta-Depósito Vinculada.

Ou seja, creio que a inscrição em RP do Pagamento pelo Fato Gerador deveria se dar como mais uma exceção da recomendação do MCASP, a fim de atender ao art. 142 da Lei 14.133 e o Caderno Técnico da SEGES.