Nota fiscal, contrato, recibos ou outro documento pode substituir Atestado de Capacidade Técnica

Prezados do GestGov.

Solicito ajuda para um caso de qualificação técnica.

Estou participando de um pregão eletrônico, e a empresa vencedora teve sua qualificação técnica rejeitada em primeiro momento por apresentar atestado de capacidade técnica com material divergente do objeto da licitação.

Em sede de diligência a licitante apresentou nota fiscal, contrato e um recibo de material que era compativel com o objeto licitado, a nota fiscal é de 2019, entretanto, a empresa licitante não possui atestado de capacidade técnica desse material.

Ocorre que, a Nota Fiscal foi emitido para o próprio órgão licitante, em outro momento, ou seja, em 2019, mais a licitante nunca pediu atestado para essa entrega.

Após vê seu atestado de capacidade técnica apresentado ser rejeitado, por ter objeto não campativel, apresentou esses documentos como prova de qualificação técnica e o Pregoeiro aceitou.

O Pregoeiro justificou sua decisão no formalismo moderado, em acórdãos do TCU que estabeleceu a possibilidade de o licitante submeter novos documentos para suprir erros, falhas ou insuficiência, e também como a entrega foi nesse próprio órgão, eles perguntaram a pessoa que recebeu o material na época e este servidor confirmou que o material foi entregue dentro do prazo, portanto, nada que desabone.

Prezados e nobres colegas, diante do exposto, deixa registrado minha pergunta:

É possível uma nota fiscal, recibo de entrega, nota de empenho ou contrato ou qualquer outro documento substituir Atestado de Capacidade Técnica?

Pode o órgão, se valer do conhecimento da licitante, de relação de negócio em outros processos, atestar a qualificação técnica de material entregue em sua unidade, durante a fase de julgamento de proposta, alegando fato preexistente?

A administração pública, no caso concreto, é uma empresa pública, estatal, por isso não está sujeita as regras de qualificação técnica?

Desde já agradeço a todos que puderem ajudar, manifestando suas opiniões.

Deus abençoe a todos :pray::pray::pray:

Erlon,

Essa questão tem muito a ver com o formalismo moderado, um dos princípios em compras públicas que acabou positivado na NLL, em movimento que vem ganhando força há um bom tempo, na doutrina e na jurisprudência.

Sobre isso, cito trechos da 4a edição do livro Como Combater a Corrupção em Licitações que estamos elaborando, para ser publicado ainda este ano:

merece forte destaque o princípio do formalismo moderado, por seu papel balizador e seu impacto nas decisões de seleção do fornecedor, evitando o rigor processual exagerado. Pode-se entender como moderado o formalismo baseado em simplicidade e suficiência para propiciar a prevalência da essência e do conteúdo sobre a forma (Acórdão TCU n. 357/2015-P).
Pela lógica do formalismo moderado, em compra pública, o mais importante é o resultado pretendido, não o processo burocrático.
Essa diretriz está relacionada à compreensão de que licitação é mais que um instrumento jurídico, sendo, na essência, um negócio, no qual se busca de uma solução apropriada para uma demanda legítima, ofertada por um provedor idôneo, a um preço justo, atendendo a múltiplos princípios e objetivos (SANTOS e PÉRCIO, 2022).
Esse negócio jurídico merece interpretação adequada à sua natureza. Na lúcida definição de Adilson Dallari (1997) licitação não é concurso de destreza para o melhor cumpridor de edital.


Esperamos que com isso sejam superadas as situações absurdas do passado, de apego excessivo à forma, em que licitantes foram afastados, por exemplo, por mera falta de assinatura ou reconhecimento de firma em documento, restringindo a competição por simples omissões ou defeitos irrelevantes, como citamos nas edições anteriores deste livro.
A superação desse cenário já vinha sendo recorrentemente defendida pelo TCU. Entre 2018 e 2022, foram 744 acórdãos mencionando a expressão “formalismo moderado”, média de 145 por ano, quase o triplo da média anual entre 2003 e 2005. A expressão “formalismo exagerado” foi usada pelo Tribunal de Contas em 83 acórdãos entre 2018 e 2022, média de 17 por ano, um aumento de 750% em relação à média de 2003 a 2005.
Esses números representam o movimento crescente do Tribunal em defender que o edital não constitui um fim em si mesmo e a interpretação e aplicação das regras nele estabelecidas deve sempre ter por norte o atingimento das finalidades da licitação, evitando-se o apego a formalismos exagerados, irrelevantes ou desarrazoados (Acórdãos nº 1211/2021-P).

O TCU tem entendido que pode, sim, juntar documento ausente, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação, por equívoco ou falha, desde que tal documento comprove condição atendida pelo licitante antes da abertura das propostas (Acórdão TCU n. 1211/2021-P).

No Acórdão nº 8747/2022-2C, o TCU avaliou pregão para manutenção de condicionadores de ar, no qual licitante foi inabilitada por não apresentar profissional com a experiência requerida. Ocorre que a empresa era a mesma que já prestava o serviço, com o mesmo Engenheiro Mecânico, de modo que dispunha, obviamente, da capacidade técnica pertinente. O documento apresentado não mencionava ‘execução’ do serviço, apenas ‘elaboração’ de plano de manutenção, mas os fatos eram facilmente identificáveis. Mesmo a empresa argumentando esses fatos em recurso, foi recusada. Para o TCU, a pregoeira até fez algumas diligências, mas deixou de realizar outras, como por exemplo a do fiscal do contrato da própria unidade contratante. A situação foi entendida como excesso de formalismo, contrariando os princípios da razoabilidade, da economicidade, do formalismo moderado e da obtenção da proposta mais vantajosa.

Espero ter contribuído.

Franklin,

Você não acha também que tem que haver um ponto de equilíbrio no uso do formalismo moderado em detrimento ao princípios da vinculação ao instrumento convocatório, nesse caso, a licitante não apresentou outro atestado de capacidade técnica, apresentou nota fiscal de um material compatível que foi entregue neste mesmo órgão, e atestaram porque foi ali.

Imagina agora se essa nota fiscal é de material entregue em outro órgão, onde o pregoeiro não tivesse acesso para diligenciar com tanta facilidade para perguntar se a entrega foi no prazo, o atestado de capacidade técnica vai demostrar isso, que o prestador de serviço/vendedor de material cumpriu rigorosamente o previsto em contrato, informação que não tem em uma Nota Fiscal, recibo outro documento.

Eu acho que a administração pública precisa encontrar um ponto de equilíbrio nessa questão do uso do formalimo moderado.

É uma boa questão, Erlon.

A regra de ouro é a busca da verdade real. O documento, especialmente o atestado, é uma das formas de materializar essa verdade, mas podem existir outras.

Por isso mesmo a NLL trouxe uma disciplina complementar, no art. 67, § 3º, permitindo (exceto em obras e engenharia) que a capacidade técnica seja comprovada por outros meios diferentes do atestado, demonstrando que o profissional ou a empresa possui conhecimento técnico e experiência prática na execução de serviço de características semelhantes, hipótese em que as provas alternativas aceitáveis deverão ser previstas em regulamento.

Alguém vai dizer que precisa do regulamento e tal. E eu posso concordar, em parte. O que é mesmo relevante, pra mim, tem a ver com o espírito da norma, deixando claro que o atestado não é a única forma possível de comprovar experiência.

Sobre a sua hipótese:
Imagina agora se essa nota fiscal é de material entregue em outro órgão, onde o pregoeiro não tivesse acesso para diligenciar com tanta facilidade para perguntar se a entrega foi no prazo, o atestado de capacidade técnica vai demostrar isso, que o prestador de serviço/vendedor de material cumpre rigorosamente o previsto em contrato, informação que não tem em uma Nota Fiscal, recibo outro documento.

Nesse cenário hipotético, não posso dizer exatamente como a coisa aconteceria. Seria um exercício de imaginação cheio de possibilidades. O que me parece razoável é tomar como potencialmente verdadeira a informação comprovada - houve experiência prévia em condições aparentemente similares ao pretendido (Nota Fiscal). Caberia possivelmente uma diligência, para que a licitante apresentasse atestado ou comprovante equivalente a respeito da opinião do contratante sobre o fornecimento vinculado àquela NF.

Lembrando que um atestado não é necessariamente verdadeiro sempre. Há o risco de fraude, falsificação, adulteração. Então, mesmo quando esse tipo de documento é apresentado, pode ser relevante tomar cuidados adicionais e diligenciar para comprovar sua veracidade, quando houver indícios de problemas.

Tenho defendido que o espaço decisório em compras tende a ser cada vez maior. Se fosse apenas ‘aplicar a regra’, bastaria um robô. E talvez para muitos dos nossos procedimentos mais rotineiros, padronizados, recorrentes, a automação acabe dominando o cenário. Mas a área de compras públicas apresenta dilemas de crescente complexidade, exigindo do comprador a capacidade de equilibrar tensões recorrentes entre eficiência e controle; flexibilidade e accountability; fraude e custo de transação; isonomia e políticas de fomento; concorrência e transparência; legalidade e inovação.
Tratei disso junto com Gabriela Pércio no texto “Profissionalização das compras públicas: um caminho inescapável”, artigo disponível no Livro “Compras Públicas Centralizadas no Brasil”

Espero ter contribuído.

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@erlonfuz,

Sobre a vinculação ao edital, o que exatamente o edital exigia em relação ao atestado? Ele exigiu EXPRESSAMENTE que o objeto constante do atestado deveria ser IDÊNTICO ao licitado? Se ele meramente fixou o dever de que o atestado fosse “compatível” com o objeto licitado, fica na discricionariedade do pregoeiro analisar tal compatibilidade. Isso não é nada bom, mas também não pode inventar regras inexistentes no edital.

Boa noite, Franklin.

Há algum acórdão do TCU que diz que NÃO é função do FISCAL DE CONTRATO realizar a INTERVENÇÃO (assumir a execução do contrato) em caso de não execução por parte da contratada?

Quero apresentar recurso numa questão de concurso que diz que é função do fiscal de contrato realizar a Intervenção. Informação falsa.

Olá, @Ravel_Rodrigues_Ribe

Improvável que haja julgado sobre questão tão específica. Suponho que você esteja se referindo ao dispositivo do artigo 58, V da Lei 8666 e ao art. 104, V da Lei 14133, prevendo prerrogativa de “ocupar provisoriamente” recursos vinculados ao objeto do contrato.

Não encontrei nenhum julgado do TCU tratando desse tema. Desconfio que é uma situação extremamente rara.

De qualquer forma, penso que a resposta pode ser encontrada em outros julgados ou materiais de referência, que tratam do papel do fiscal de contrato.

É recorrente a definição de que as atribuições do fiscal não comportam poder decisório, que recai sobre o gestor de contrato. Isso estava claro no art. 67, § 2o da Lei 8666 e está claro agora, da mesma forma, no art. 117, § 2o da Lei 14133.

Para reforçar essa ideia, invoco a doutrina de Ronny Charles: "o gestor do contrato coordena e comanda a execução contratual, representando a Administração na tomada de decisões … o fiscal de contrato … não detém poder decisório… podendo iniciar e opinar em processos decisórios, como o de sancionamento, para tomada de decisão pelo gestor ou outra autoridade competente.” (Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed. Juspodivm, 2021. p 604)

Para complementar, pode-se citar o Acórdão TCU 43/2015-P, no qual ficou assentado que o Fiscal do contrato deve notificar seus superiores para tomada de decisão.

No Acórdão TCU 10330/2017-2C, o Diretor da área técnica assim se manifestou:
“fiscal do contrato, em regra, não é autoridade administrativa, portanto não tem poder decisório relevante. Sua esfera de atuação cinge-se a um controle de conformidade, ou seja, verificar se o contrato está sendo executado de acordo com as cláusulas pactuadas e de acordo com as ordens de serviços editadas e recursos financeiros disponibilizados. Em muitas situações, a sua esfera de atuação se esgota tão somente em relatar os fatos à autoridade administrativa”

Me parece óbvio que, não tendo poder decisório, não caberia ao Fiscal de Contrato a atribuição de realizar a ‘intervenção’ contratual, decisão altamente complexa e de implicações extremas.

Muito obrigado, Franklin.

Prezado, eu fiz um comentário em outro tópico de assunto similar.

Como o professor @ronaldocorrea pontuou, depende do que está previsto no edital (já que ainda não há regulamento indicando outras formas de comprovação).

No comentário do outro tópico, eu expliquei que para mim são coisas distintas, com finalidades distintas: ACT, contrato e notas fiscais. Não registramos sanções, descumprimentos no contrato, nem nas notas fiscais. O instrumento para registrarmos e indicarmos má execução é no ACT, e por isso é ele o documento exigido. Claro que pode haver diligências para complementação, comprovação, mas o principal é comprovar que o serviço de fato foi prestado e que foi bem prestado.

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