Fraude no enquadramento como ME/EPP

Prezados, boa noite.
Uma dúvida a respeito desse tema polêmico: para comprovação de empresa como ME/EPP os senhores solicitam somente a Certidão Simplificada da Junta Comercial ou ainda documento contábil que comprove que no exercício anterior ela não ultrapassou o teto de enquadramento?
O motivo da pergunta é vislumbrando assunto para TCC. Eu mesma, como pregoeira, já me deparei com situações em que a situação de fraude só foi vislumbrada em fase recursal por empresa concorrente, já que na fase de habilitação a Certidão Simplificada apresentada servia ao cumprimento dado em Edital. Todavia, ainda que o pregoeiro solicite os demonstrativos contábeis do ano anterior a título de diligência para as ME/EPPS, ele teria o conhecimento suficiente para identificar qual o valor auferido pela empresa para fins do teto dado na LC 123/06? Não cabe aqui a necessidade de análise por profissional da área contábil, mesmo que como membro do grupo de apoio? Entendo esse assunto como polêmico pois, no meu entendimento, a comprovação de enquadramento deveria ser feita anualmente, diretamente na Junta Comercial, mas na ausência desse exigência, como os colegas pregoeiros atuam ou entendem que deveria ser tratado o assunto? Teriam condições de avaliar documentos contábeis para dirimir alguma dúvida de enquadramento?

Agradeço já de antemão a colaboração.

Oi, Catia. O tema é bem bacana, hein. Se quiser, podemos conversar mais no privado a respeito da pesquisa.

Sugiro a leitura desses tópicos do Nelca sobre o tema:
https://gestgov.discourse.group/t/declaracao-falsa-me-epp-pregao-eletronico-inabilitacao/1911/13

https://groups.google.com/g/nelca/c/4a7iTMps9dg/m/exie-KV4FQAJ

https://groups.google.com/g/nelca/c/6hqRCGI0MkY/m/Mh9PWor2BwAJ

Quanto à dúvida se o pregoeiro teria condições de avaliar documentos contábeis para dirimir alguma dúvida de enquadramento, minha avaliação é que depende do caso concreto. O documento contábil mais óbvio para a questão do enquadramento é a DRE, Demonstração de Resultado do Exercício, que traz a receita bruta anual da empresa. É de avaliação relativamente simples observar o valor ali informado e comparar com os limites de enquadramento. Mas há casos específicos que podem exigir análises mais complexas, de setores econômicos em que a receita bruta não é o único fator de enquadramento, mas isso tende a ser raro.

De qualquer forma, sempre existe a possibilidade de solicitar opinião técnica especializada, nesse caso, de profissional contabilista, como prescreve o art. 38 da Lei nº 8.666/93. Estranhamente, na Lei 14.133, a menção explícita a “parecer técnico” só aparece nas contratações diretas, mas isso não me parece invalidar a lógica para processos concorrenciais.

A documentação contábil de Micro e Pequenas Empresas é definida pelo Conselho Federal de Contabilidade. As normas estão disponíveis em:

https://cfc.org.br/tecnica/normas-brasileiras-de-contabilidade/normas-simplificadas-para-pmes/

Lembrando que o enquadramento e o desenquadramento da empresa é ato declaratório da própria empresa. É simples. Não depende de procedimentos burocráticos complexos. E é obrigatório.

Decreto n. 8538/2015
Art. 13
§ 1º O licitante é responsável por solicitar seu desenquadramento da condição de microempresa ou empresa de pequeno porte quando houver ultrapassado o limite de faturamento estabelecido no art. 3º da Lei Complementar nº 123, de 2006 , no ano fiscal anterior, sob pena de ser declarado inidôneo para licitar e contratar com a administração pública, sem prejuízo das demais sanções, caso usufrua ou tente usufruir indevidamente dos benefícios previstos neste Decreto.

Se ultrapassar os limites, tem que declarar o desenquadramento. As regras são: se não passar de 20% do limite, desenquadra no ano seguinte. Se passar de 20% do limite, desenquadra no mês seguinte. Se não desenquadrar e participar de licitação utilizando os benefícios, comete fraude.

Franklin Brasil

Prezados,

Gostaria de obter opinião no seguinte caso: nosso órgão realizou pregão eletrônico exclusivo para ME/EPP.

A empresa atual arrematante apresentou a declaração de beneficiária, a certidão simplificada (na qual consta a informação de que a empresa é ME/EPP) e a DRE (no qual informa que a receita bruta auferida no período anterior supera r$ 4.800.000,00).

Foi realizada diligência e a empresa apresentou declaração do contador informando que houve dedução “vendas canceladas” sobre o valor da receita e assim a receita bruta permaneceu dentro dos limites do faturamento.

Porém, o valor informado da “dedução de vendas canceladas” não consta no balanço nem na DRE.

Estamos na dúvida se a empresa deve ser inabilitada por não apresentar documentação contábil que demonstre ser beneficiária da LC 123/2006 ou se a declaração do contador e a certidão simplificada podem ser consideradas suficientes para considerar o enquadramento como EPP.

Se puderem compartilhar olhares sobre essa situação será de muita ajuda.

Abraços.

Olá, Gisele.

Na 4a edição do livro Como Combater a Corrupção em Licitações, um dos tipos que tratamos é a ME/EPP falsa. Um dos casos citados pode te ajudar:

Ainda sobre o cálculo de limite de faturamento para se enquadrar como EPP, uma empresa contabilizou, na Demonstração de Resultado do Exercício, falsas devoluções de mercadorias, com objetivo de reduzir o montante de “receita bruta” a ser considerado para enquadramento como EPP. Uma grande venda para o Exército foi registrada, na contabilidade, como integralmente devolvida. Mas, quando questionado, o Exército informou que não houve qualquer devolução e tudo havia sido integralmente pago. Para o TCU, foi usado artifício ilegal para se manter como EPP e usufruir dessa condição. O Tribunal declarou a empresa inidônea (Acórdão n. 250/2021-P).

Sugiro a leitura do Acórdão TCU n. 250/2021-Plenário, citado nesse trecho e que pode servir de referência.

Para definir “Receita Bruta Anual”, critério de enquadramento como EPP, a receita de vendas deve ser ajustada com as devoluções de mercadorias relativas a vendas anteriores, computadas na contabilidade, que não se efetivaram (LC 123, art. 3, § 1º Considera-se receita bruta… não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos".

O risco, portanto, é de supostas devoluções de mercadoria sem comprovação, ou seja, o uso de ‘devolução falsa’ como “artifício ilegal para se manter como EPP e usufruir das vantagens inerentes a essa condição, configurando possível fraude fiscal” (Ac TCU n. 250/2021-P).

Espero ter contribuído.

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