Vedação à adesão a ata de registro de preços entre entes municipais. Inconstitucionalidade

A vedação à possibilidade de entes municipais aderirem atas de registro de preços de outros municípios, consoante o disposto no art. 86, §3º, da nova lei de licitações viola o princípio da isonomia entre os entes federativos, esculpido no art. 19, inc. III, da Constituição Federal?

@Joaovianass,

Na minha humilde opinião, o que ocorreu no Art. 86, §3º da Lei nº 14.133, de 2021, foi o que a doutrina chama de lacuna do direito, que se diferencia do chamado silêncio eloquente do legislador no sentido de que a lacuna comporta “preenchimento” pela via da interpretação, enquanto que o silêncio eloquente caracteriza ausência proposital de previsão legal, na intenção de vedar ou não amparar tal conduta. De forma que eu entendo que a mera ausência de menção à esfera municipal como concedente de carona, por si só não significaria vedação. Para aprofundar o estudo sobre as lacunas do direito, sugiro este verbete da Enciclopédia Jurídica da PUC/SP:

https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/159/edicao-1/lacunas-no-direito

Tal raciocínio me parece bastante adequado para se analisar a novel norma geral de licitação, já que na Lei nº 8.666, de 1993, sequer havia menção à carona, e nem por isto entendia-se que a mesma era vedada, inclusive no que se refere à adesão de atas municipais. Como pode ser que agora a mera ausência de menção à adesão de atas municipais poderia caracterizar vedação, se não havia absolutamente nenhuma menção a nenhum tipo de carona na norma anterior, e mesmo assim podia aderir a atas municipais?

Os professor Joel Nieburh e Ronny Charles defendem que não se deve considerar tal lacuna como vedação, e eu me filio a essa corrente de pensamento, sem desconsiderar que respeitáveis professores e autores pensam em linha diversa, considerando que há vedação à adesão de atas municipais.



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E também o professor Victor Amorim:

A seguir a literalidade do dispositivo, diante da ausência de menção aos órgãos municipais como gerenciadores, poder-se-ia chegar ao entendimento da impossibilidade de ARPs municipais serem aderidas. Em nossa compreensão, deve ser conferida ao § 3o uma interpretação conforme a CRFB, pois a conclusão pela impossibilidade de adesão de ARP municipal atentaria contra a estrutura federativa do Estado brasileiro, constituindo um discrimen injustificado em relação a um dos entes da Federação – o Município –, autônomo como os demais. Afinal, por qual razão uma ARP municipal não poderia ser aderida por outros entes? Ainda que se diga que o legislador buscou proibir a chamada adesão verticalizada, não há razão para um outro órgão municipal vedar adesão de ARP municipal. Em outras palavras: mesmo que se acredite na tese da proibição da adesão verticalizada, ela não seria aplicável a entes da mesma natureza (Municípios). Logo, o raciocínio tendente à proibição de adesão contraditaria sua premissa central; e, sendo específica a norma do § 3o, não haveria óbice para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em sua legítima competência normativa concorrente sobre a matéria, tratar do assunto de maneira diversa em relação às suas respectivas estruturas organizacionais.

Segue o link do livro (gratuito), do qual eu recomendo a leitura: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/594776/licitacoes_contratos_administrativos_teoria_jurisprudencia_4ed.pdf

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