TCU: sanear documento em licitação. A prevalência do fim sobre os meios

Entendo o argumento dos professores @ronaldocorrea e @FranklinBrasil , mas eles abordam apenas um lado da moeda. O outro lado, porém, é a porta para tratamento nada impessoal e isonômico aos licitantes, como bem colocou o colega @Marcelo_Sauaf . Abre margem para o agente público (pregoeiro) dar oportunidade a um, por “conhecer e gostar” da empresa e não abrir a outra, por “não conhecê-la” e “achar” que ela não terá condições de prestar o serviço. E este é um ponto que discordo do professor @FranklinBrasil .

O intuito da norma de fixar o mesmo marco temporal a todos os licitantes para o envio da documentação de habilitação (e não apenas para aferição da sua condição prévia) foi estabelecido também para evitar que licitantes convocados 7, 10 dias após a sessão tivessem mais tempo de juntar o que fosse pedido (além de buscar coibir o comportamento do licitante “coelho”). Essa justificativa foi dada nos próprios vídeos explicativos do lançamento do Decreto nº 10.024/2019, por aqueles que elaboraram a norma e, se não me engano, naquela minuta colocada em consulta pública, essa demanda foi feita pelos próprios fornecedores.

São tantas as situações possíveis (e já ocorridas) que fica até difícil escolher exemplos. Imagine que a primeira colocada não tem em mãos um ACT válido (outros porventura apresentados não foram aceitos) até a data da sessão. Ao arrematar um item e ser convocada, ela não consegue apresentar (já prestou o serviço no passado, mas não conseguiu ter em mãos o ACT válido). Ela, logo, é inabilitada, e passa-se à convocação das seguintes. Digamos que após o transcurso de uns 10 dias, após desclassificação também da segunda, é convocada a terceira, na exata mesma situação da primeira colocada (também não possuía em mãos um ACT válido na data da sessão, apesar de já ter prestado o serviço). Porém, após observar as tratativas em relação à primeira colocada, consegue um jeito de obter o ACT válido e o apresenta no momento da convocação (10 dias após a sessão). Aí, como foi atestada uma condição prévia (o serviço prestado), o pregoeiro aceita, habilita-a e a declara vencedora. No entanto, a primeira colocada entra com recurso alegando que, nesses mesmos 10 dias a mais de prazo que a terceira teve, também já conseguiu obter o devido ACT, atestando o serviço prévio prestado. Ou ainda, esta mesma primeira colocada em um item foi a quarta em outro, e aí para este outro item acaba sendo convocada por desclassificação das demais e apresenta o devido ACT válido. Ela é inabilitada em um item, por não ter apresentado o ACT válido, mas é habilitada no outro posteriormente por lhe ser dada a oportunidade de “sanar” a falha e comprovar sua “condição prévia”. Como fica? Pra não acharem que foi um exemplo muito longe da realidade, só conferir este outro tópico aqui mesmo do NELCA (https://gestgov.discourse.group/t/licitante-sem-atestado-mas-que-prestou-servico-identico-anterior-no-mesmo-orgao/13509), em que a “pessoalidade” da empresa começa a ser considerada na avaliação da tal “condição prévia” em detrimento do que a norma exige.

A questão é que, sem o mesmo marco temporal comum a todos, do segundo colocado em diante haverá benefício, pois vão se aproveitar das razões das desclassificações ou inabilitações prévias para consertar sua falhas. Ou então, simplesmente vão ter mais tempo para regularizar alguma pendência que possuíam e que dificilmente será possível de aferir a tal “condição prévia”, exatamente como o colega @Alok: as empresas buscar alternativas para se aproveitar dessa “oportunidade” ou “brecha”, dependendo do prisma que se olha. Nesse ponto o próprio SICAF peca, por exemplo, pois se houve regularização, não vai atestar a condição prévia na data da sessão, e sim a condição atual. Se até a sessão uma empresa estava com restrição fiscal federal, mas teve 20 dias a mais para resolver até ser chamada, provavelmente já vai se beneficiar disso, mas por conta de algo inerente ao sistema, bem diferente de se beneficiar de um ato ou conduta direta do agente público.

Concluindo, o procedimento licitatório não possui um único fim. Tanto que se fosse apenas a busca por obter e salvar a proposta mais barata (porque vantajosa já engloba todos os demais fatores), pura e simplesmente, não precisaria de todo um rito e toda uma série de critérios a serem atendidos. Seria só objeto e valor, pouco importando a condição de quem oferece. O tratamento isonômico e impessoal dado aos participantes não pode ser encarado apenas como um meio a ser flexibilizado, elastecido. Realmente acho que se precisa haver uma mudança no procedimento, que ela seja feita na norma, e não com entendimentos excessivamente abrangentes. Inclusive o próprio TCU, ao entender algo que não está escrito, algo por trás da letra da norma, uma finalidade aparentemente não atendida, poderia a meu ver apresentar sugestões técnicas de alterações normativas em vez de apenas firmar esse tipo de entendimento.

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