Então, amigo, eu não considero correta a afirmação que a intenção da licitação seja “salvar a todo custo a melhor proposta”. Primeiro: o que seria melhor proposta? É a que tem menor valor? Pois se só isso for relevante (o que sabemos que não é), não precisava de procedimento e de formalidade nenhuma. Bastava apenas aceitar a proposta de menor valor e depois conferir os documentos de habilitação do vencedor de forma isolada, sem nem mesmo o escrutínio dos demais licitantes ou cidadãos interessados. Simplesmente disponibilizava tudo ao final e pronto: contratação realizada.
Concordo menos ainda com essa afirmação, quando estamos falando de fazer cumprir o que está no instrumento convocatório. A lei revogada já previa que a administração não podia descumprir as normas do Edital (art. 41), do mesmo modo que a Nova Lei traz, dentre outros princípios expressos, a aplicação do princípio da vinculação ao edital (art. 5º). Isso significa dizer que não há e nunca houve salvo contudo para que o administrador descumprisse as regras do instrumento convocatório.
Vale lembrar que os Tribunais de Contas, seja da União ou os Estaduais, não integram o poder judiciário, assim como nada escapa da potencial apreciação por esse último no caso de lesão a direitos, que é quem pode, de fato, dar a palavra final, sobre aplicação da lei (inafastabilidade da jurisdição - art. 5º, XXXV da CF). Não por outro motivo, não é difícil achar os mais diversos precedentes do judiciário divergindo frontalmente do entendimento dos tribunais de contas acerca da aplicação do tal “formalismo moderado”, justamente por conta do princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Situação diferente de quando ele é previsto no Edital.
Isso não quer dizer que as decisões do TCU são equivocadas ou irrazoáveis (quem sou eu pra afirmar isso, não é?). Inclusive, eu, particularmente, CONCORDO com as razões de decidir dos ministros que se debruçaram sobre essa questão do “formalismo moderado”, mas de novo, eu não concordo com a aplicação irrestrita e “automática” destes raciocínios sem previsão editalicia, justamente para cumprir o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, que é igualmente previsto em lei.
Essas decisões tiveram importantes efeitos no caso concreto e são relevantíssimas para nortear evolução e aperfeiçoamento dos processos, mas eu nunca vou admitir que elas sejam uma “carta na manga” para que se passe por cima do que foi previsto no Edital. Neste ponto, é interessante que você citou a “supremacia do interesse público”, como um argumento que excepcionaria a aplicação de um entendimento conflitante com o previsto no próprio instrumento convocatório, como é o caso desses famosos Acórdãos do TCU, mas não há consenso nem na jurisprudência ou doutrina acerca do que viria a ser “interesse público”. Neste sentido, é importante ter em mente a seguinte previsão da própria LINDB:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
Enfim, essa é a minha opinião, divergindo respeitosamente de quem pensa o contrário.