@Willian_Lopes!
Na verdade, a polêmica existe exatamente por conta da regra não ser clara, e aqui eu me refiro à regra da Lei nº 8.666, de 1993:
Art. 43, § 3o É facultada à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta.
Em que pese a vedação da lei ser expressa, honestamente não fica claro qual seria o conceito de “constar originariamente da proposta”, já que na Lei nº 8.666, de 1993, em momento algum se confunde proposta com habilitação, e penso eu que seja no mínimo estranho que somente nesse dispositivo a “proposta” tenha significado diferente do resto da lei. O “envelope” de proposta em momento algum se confunde com o de habilitação! e o fato de no pregão eletrônico o envio dos documentos de habilitação ocorrer de forma concomitante ao cadastramento da proposta no sistema, e o pregoeiro ter acesso tanto aos documentos de habilitação quanto aos dados da proposta logo após o término da etapa de lances, de forma alguma pode significar a confusão das fases de julgamento e de habilitação, cuja ordem consta expressa na Lei nº 10.520, de 2002.
A interpretação que o TCU vinha dando a esse dispositivo legal da diligência era sim no sentido de que a vedação abrangia os documentos de habilitação, mesmo que o texto da lei mencione expressamente a proposta. Mas note que, mesmo o TCU, sempre defendeu que, em relação à proposta não só é possível, como torna-se obrigatório oportunizar à empresa a inclusão posterior de informação que deveria constar originariamente da proposta, como é o caso da planilha de custos com erro de preenchimento. E isto faz todo o sentido, dentro da lógica do princípio legal da finalidade, que é de observância obrigatória na interpretação da norma administrativa. A finalidade não é selecionar o melhor cumpridor de edital, como bem aponta o estimado professor Adilson Abreu Dallari, e sim obter a proposta mais vantajosa para a Administração (sim, tal conceito também não é claro, mas de toda forma é obrigatório obedecê-lo).
E sobre as regras do edital, por óbvio que ninguém em sã consciência vai defender que elas sejam ignoradas, por seria um ato contrário à lei, que nesse caso é sim bem clara, conforme consta do Art. 41 da Lei nº 8.666, de 1993. Mas como quem redige as regras do edital é o próprio órgão, basta que ele as escreva de forma a possibilitar a adoção da tese atualmente defendida pela TCU na interpretação da norma legal aplicável à diligência. Se o próprio edital já não prever tal possibilidade e, pelo contrário, vedar expressamente o envio de documento novo (sim, não é seguro viver só de interpretação. Precisa vedar expressamente), aí sim eu acho que é temerário adotar a tese recente do TCU, pois estaria descumprindo vedação expressa no edital (que não decorre de mera interpretação) e afrontando a lei. Mas se vai adotar tal entendimento do TCU e permitir o envio de documento novo que ateste condição pré-existente, incorpore ele já no edital, e deixe tudo muito claro desde já, para ninguém alegar quebra de isonomia depois (o que pra mim é uma reclamação sem fundamento, mas que sempre aparece).
E quanto ao Decreto nº 10.024, de 2019, em primeiro lugar, como eu já comentei anteriormente aqui no Nelca, penso que seja necessário a gente levar em conta pelo menos essas duas questões:
1 - trata-se de um regulamento, editado para a fiel execução da lei, nos termos do que fixa o Art. 84, IV da Constituição Federal, não podendo inovar no mundo jurídico criando direitos ou obrigações para terceiros, já que isto fere o Art. 5º, II da Constituições, que é uma das suas “cláusulas pétreas”; e
2 - trata-se de um regulamento editado sob a égide do poder regulamentar do Presidente da República e, como tal, obriga somente aos que estão subordinados a tal poder do Presidente, afastando sua aplicação automática aos demais poderes da União e a todos os demais entes federados.
Sobre essa segunda questão, só para fins de ilustração, o TCU mesmo, nunca seguiu integralmente o Decreto nº 5.450, de 2005, pois não publicava no DOU o Resultado de Julgamento do pregão, e ao que me consta eles assim o faziam por terem por certo que não estavam obrigados ao cumprimento de tal decreto, já que são integrantes do Poder Legislativo Federal, e não estão sujeitos à obediência de regulamentos editados pelo chefe de outro poder. E no acórdão mais recente, que trata do uso do PNCP pelo TCU, deixa mais claro ainda que sendo um órgão não SISG, o TCU não está sujeito à obediência dos mesmos regulamentos e normas operacionais que os órgãos federais do SISG seguem como obrigação.
E notem que no mesmo Decreto nº 10.024, de 2019, que traz a polêmica regra do Art. 26, temos também o Art. 47, apontado pelo TCU como fundamento da decisão. Penso que seja uma questão de interpretação sistêmica do regulamento, evitando pegar um artigo isolado para interpretar ele fora do contexto do restante do regulamento.
Por fim, notem que tal polêmica vai acabar de forma definitiva com a Lei nº 14.133, de 2021, que deixa expresso que os documentos de habilitação serão enviados apenas após a etapa de lances, e apenas pelo licitante vencedor, assim como era no finado Decreto nº 5.450, de 2005.
Lei nº 14.133, de 2021
Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições:
II - será exigida a apresentação dos documentos de habilitação apenas pelo licitante vencedor, exceto quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento;
As professoras Angelina Leonez e Carmem Boaventura, juntamente com o professor Victor Amorim, escreveram um excelente artigo sobre tal questão. Recomendo a leitura!