Restrição de acesso em processos licitatórios com base na afirmação de ser "documento preparatório". Pode?

Boa tarde, gostaria de discutir a respeito da prática de restrição de acesso a processos licitatórios com base na afirmação de se tratar de documento preparatório. Vejo esse artifício sendo usado no órgão em que trabalho e penso que não está correto, gostaria da opinião de vocês.

A prática tem como fundamento a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), que prevê o seguinte:

Art. 7º, §3º: O direito de acesso aos documentos ou às informações neles contidas utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato administrativo será assegurado com a edição do ato decisório respectivo.

De acordo com a norma que regulamenta a Lei de Acesso à Informação, o Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012, documento preparatório é “documento formal utilizado como fundamento da tomada de decisão ou de ato administrativo, a exemplo de pareceres e notas técnicas.” (art. 3º, XII).

Assim, inicialmente, vejo que a restrição de acesso aos pareceres e às notas técnicas pode ser fundamentada com base no decreto; para o restante dos documentos de um processo licitatório, não vejo embasamento legal.

Por outro lado, não me parece adequada a restrição de acesso a um parecer ou nota técnica simplesmente com base na forma do documento (se é parecer ou não; se é nota técnica ou não). É necessário que a restrição de acesso esteja embasada na ideia de evitar algum risco que a publicação antecipada da informação poderia trazer. Esse é o entendimento contido na 4ª edição do manual da Lei de Acesso da Informação da CGU, citado abaixo:

Em observância ao princípio da máxima divulgação, no entanto, uma negativa que se fundamente na natureza preparatório do documento deve observar alguns critérios a fim de ser adequadamente motivada. Ambos estão diretamente relacionados à ideia de risco: em um caso, risco ao processo; em outro, risco à sociedade.

O primeiro critério é a finalidade do processo: quando a disponibilização de uma informação em um
processo cuja decisão ainda não foi proferida possa frustrar a sua própria finalidade, é recomendável que esta informação seja disponibilizada apenas após a conclusão do procedimento.

Já o segundo critério relevante tem a ver com as expectativas dos administrados: sabemos que muitas vezes uma informação incorreta ou incompleta pode causar grandes transtornos, ao disseminar na sociedade expectativas que não necessariamente se cumprirão. Trata-se, portanto, de uma cautela necessária para zelar pela segurança jurídica e pela confiança dos administrados. É o caso, por exemplo, de informações sobre uma minuta de decreto que venha a impactar o sistema financeiro. Dependendo do seu conteúdo e da forma como fossem divulgadas, informações sobre essas discussões poderiam gerar expectativas em indivíduos, que tomariam decisões mal informadas.

É importante lembrar que a regra é a publicidade, cujas exceções foram previstas na própria Constituição Federal:

art. 5º, XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

Em outras palavras, toda restrição no acesso a informação deve ser justificada, ainda que indiretamente, na segurança da sociedade e do Estado. Qual seria o risco para a sociedade e para o Estado na divulgação de qualquer documento de um processo licitatório, ainda que seja uma nota técnica ou parecer?

Ao que me parecer, ao se decidir pela restrição no acesso a um processo licitatório, está se criando um risco aos recursos públicos da sociedade, já que a possibilidade do cidadão de exercer seu poder de controle dos atos públicos previamente à execução é eliminado. Isso me parece contradizer a previsão constitucional da ação popular, instrumento que pode ser utilizado para controle prévio dos atos públicos.

Gostaria da opinião dos senhores a respeito do assunto, se realmente haveria algum motivo para restringir o acesso à informação nesse caso.

A não ser que seja uma Minuta, um documento não pode existir eternamente como Preparatório.

Ótimos questionamentos. Não possuo grande autoridade sobre o tema, mas atuei por 3 anos na Ouvidoria do meu órgão, colaborando para a execução dos pedidos de acesso à informação (não atuo mais na área faz 4 anos). Porém, permita-me alguns comentários, sem qualquer pretensão de ser exaustivo sobre o tema:

  1. Com a conclusão do processo licitatório, não há mais como argumentar documento preparatório. Ou seja, com a conclusão da licitação e a adjudicação do licitante vencedor (talvez só depois da assinatura do contrato), o processo está administrativamente decidido, logo, todos seus documentos são, em geral, públicos, salvo sigilos de legislações específicas (como dados pessoais), classificação em ultrassecreto, secreto ou reservado, nos termos da lei, ou outros casos pertinentes ao caso concreto.

  2. Assim, a discussão do tipo documental, para mim, é irrelevante. Uma planilha Excel, que serviu como fundamento para a decisão, é um documento público, mesmo fora da tipologia normal da arquivologia.

  3. Para concluir, o mais importante é analisar cada caso separadamente. É muito difícil ter uma regra que se aplique a todos os processos licitatórios, pois as peculiaridades são demasiadas. Então, na prática, os servidores responsáveis devem dominar a Lei 12.257/11 e evitar a divulgação precipitada. Reforço que o primeiro critério a analisar é se a licitação já está concluída ou não, mesmo porque a divulgação indiscriminada de informações durante o trâmite do processo competitivo, que pode, em tese, favorecer algum licitante, ou pode ser feito por interesse privado em detrimento do interesse público (corrupção) é gravíssimo, com possível responsabilização penal.

São temas difíceis de discutir e possuem grande complexidade jurídica. Recomendo, caso haja oportunidade, solicitar apoio à área jurídica para ajudar a decidir sobre casos concretos de pedidos de acesso à informação. Além disso, com os eventuais recursos, a CGU também poderá argumentar, caso chegue na sua instância.