Lei de Acesso a informação e restrição de acesso aos autos

Preados, como vão todos?

Alguém já teve que lidar com a situação de determinado advogado solicitar acesso aos autos eletrônicos (sem ter passado pelo procedimento de atribuição de sigilo), com base no art. 7º, inciso XIII, do Estatuto da Advocacia e art. 7º, VI, da Lei de Acesso a informação, de um futuro processo de licitação, ainda durante sua fase interna?

OBS: já se encontram acostados aos autos documentos do processo administrativo (não são documentos que serão editados, ainda, antes de serem incluídos no processo).

Em suma, entre o acesso amplo que a lei garante ao advogado, seria razoável opor sigilo a documento preparatório de uma futura licitação, já acostado aos autos?

Oi, @Ivan_Pinna, boa noite.

Opor sigilo a uma informação é uma situação excepcional e que depende de um procedimento próprio. As informações sujeitas a esse tipo de classificação tem características que fundamentam essa decisão, especialmente quanto ao acesso irrestrito.

Logo, salvo melhor juízo, não vejo como sendo razoável opor sigilo a um documento, em um processo administrativo de licitação, com o fundamento de que servirá de fundamento para uma tomada de decisão ou de ato administrativo.

A oposição de sigilo ficaria ainda mais prejudicada, já que a Lei de Acesso à Informação compreende de forma expressa o direito de obter informações pertinentes a licitação. Além disso, o entendimento da Ouvidoria Geral da União é de que a natureza preparatória de um documento não impede a sua divulgação:

ENTENDIMENTO OGU SOBRE ACESSO À INFORMAÇÃO Nº 05/2018

Assunto: Documento Preparatório

Entendimento: O fato de determinado documento possuir natureza preparatória nos termos do Art. 7º, §3º, da Lei nº 12.527/2011, não impede a sua divulgação. Deve haver restrição temporária de acesso apenas quando comprovado que a sua divulgação extemporânea poderia frustrar a finalidade do próprio ato ou decisão que o documento fundamentará. A negativa de acesso fundamentada na natureza preparatória do documento deve observar alguns critérios:

  1. Finalidade do processo: quando a disponibilização de uma informação em um processo cuja decisão ainda não foi adotada possa frustrar a sua própria finalidade, é recomendável que esta informação somente seja disponibilizada quando da conclusão do procedimento;

  2. Expectativas dos administrados: a restrição de acesso pode ser considerada também medida de cautela, necessária para zelar pela segurança jurídica e pela confiança dos administrados. É o caso de informações acerca de processos em andamento, que possam levar a expectativas que podem não vir a ser atendidas, por parte dos interessados no referido processo.

Ainda que o acesso seja negado, não se tratando de informação classificada como sigilosa, na União, por exemplo, o requerente, que é advogado, poderá entrar com recurso à Controladoria-Geral da União, que deverá deliberar no prazo de 5 dias (é bem célere).

A CGU então poderá solicitar esclarecimentos ao órgão recorrido quanto ao anexo causal entre a divulgação da informação e o prejuízo da decisão que o documento visa fundamentar. Se o órgão recorrido não for capaz de demonstrar o enquadramento nas exceções previstas no Entendimento OGU n° 05/2018, a CGU certamente dará provimento para determinar a entrega da informação ao solicitante.

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Excelente aula.
Obrigado

Olás,

Contribuindo com o debate, coloco a questão de se o acesso aos autos por um advogado que pode, por exemplo, prestar serviço para uma das futuras licitantes não se constituiria em competição desigual no certame, no sentido, por exemplo, de uma determinada empresa poder se preparar antes para a licitação do que as demais.

Att

Leonardo Mohr

@leonardo.mohr!

Se o direito de acesso ao processo decorre de determinação legal expressa, não há que se falar em favorecimento indevido. É prerrogativa legal do advogado. Não podemos afastar direitos expressos em lei.

Se negar acesso, é bem provável que tenhamos que enfrentar a Comissão de Prerrogativas da OAB, que bate duro nesses casos.

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Prezado,

Conforme dito por outro colega, a oposição de sigilo requer fundamentação e procedimento próprio. Não seria o caso.

Entretanto, veja o seguinte precedente da CGU, com relação a um caso de um cidadão que desejava “obter cópia integral de documentos que instruirão provável processo licitatório”:

http://buscaprecedentes.cgu.gov.br/busca/dados/Precedente/60502002108201501_CGU.pdf

A CGU concordou com a negativa do fornecimento da informação, dizendo o seguinte: " (…) presume-se que o cidadão, em posse das informações demandadas, poderia obter, para si ou para outrem, vantagem em relação aos demais concorrentes, fato que geraria a desobediência aos princípios que regem as licitações públicas (…)"

A invocação das garantias para o exercício da advocacia pressupõe conexão com a defesa dos interesses do constituinte. No caso em tela, existe direito a ser defendido, quando a empresa que tem mera expectativa de participar de uma licitação pretende beneficiar-se com informações preliminares?

Por outro lado, é verdade que o Estatuto da Advocacia não exige procuração fornecida ao advogado para que ele tenha acesso aos autos. No entanto, será que é razoável admitir que o exercício da advocacia possa ser utilizado para contornar uma condição que objetiva preservar o interesse público?

É uma questão para se refletir.

Não, seria apenas se você limitasse o acesso a determinados advogados. Estando aberto o acesso a todos, foi decisão de cada empresa e advogado definir o custo x benefício e a necessidade de ter acesso aos autos, não havendo desigualdade na competição.

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@Fred1,

Primeiro, gostaria de observar que o precedente é antigo e anterior ao entendimento da OGU, citado. Salvo melhor juízo, especialmente por parte do nosso colega @ronaldocorrea, acredito que possa ter havido uma mudança no entendimento da CGU, especialmente em função das práticas de combate aos cartéis, que se beneficiam do sigilo da fase interna.

Em linha com o argumento do colega @josebarbosa, acredito que usar como fundamento a possibilidade de assimetria informacional seria procedente apenas se a informação não estivesse acessível a todos, ou seja, se o acesso fosse privilegiado (por exemplo, com participação de servidores e mediante pagamento de comissão). Se as informações forem disponibilizadas a qualquer interessado, a suposta assimetria é anulada, existindo somente para aqueles que não tiverem interesse.

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