@Iago, sem desmerecer sua perspectiva, é importante considerar que, embora o julgamento deva ser objetivo e as empresas tenham tido mais de 30 anos para se adaptar, pode ser contraproducente buscarmos atender a uma política pública de inclusão, se isso implicar em custos adicionais que diminuem os recursos disponíveis para inverstir na própria política pública
Observe a abordagem do Decreto nº 11.430/2023, que reserva vagas em contratos com a Administração Pública para mulheres em situação de violência doméstica. A implementação desse decreto tem sido mais eficaz, com a administração pública diretamente envolvida na criação de condições para as empresas possam cumprir a norma. O artigo 3º, §4º, do decreto especifica ainda que a “indisponibilidade de mão de obra com a qualificação necessária para atendimento do objeto contratual não caracteriza descumprimento ao caput”, o que estabelece um limite claro para a aplicação da norma.
Entendo que a reserva de cargos para pessoas com deficiência, conforme estabelecido pela Lei nº 8.213/1991, tem o objetivo de promover a inclusão social e garantir igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, sendo uma medida essencial para combater a discriminação e apoiar a diversidade. No entanto, parece haver um paradoxo em impedir empresas com um número significativo de funcionários de firmar contratos com a administração pública, simplesmente porque não atingiram uma determinada quota desejada.
Por exemplo, se uma empresa precisa contratar 100 funcionários e tem 90, a certidão do MTE indicará que ela está abaixo do número previsto em lei. Em contraste, uma empresa que precisa contratar apenas 10 funcionários, mas já possui todos eles, em uma disputa entre elas ganhará uma licitação. Há de convir que a contratação de 10 funcionários é, sem dúvida, mais simples do que a de 100.
Pegando uma parte importante dos trechos acima, na minha humilde opinião, é difícil afirmar que uma empresa com 90 funcionários, em vez de 100, age de maneira discriminatória.
Mas não estou aqui para convencê-lo do contrário, mas para promover uma reflexão sobre a viabilidade de pagar mais por uma política que deveria ter sido implementada há muito tempo e que só agora, com a Lei nº 14.133/2021, começa a ser efetivamente cobrada. Outro fator relevante é que a exigência de reserva de cargos pode levar a um aumento significativo de processos por falsa declaração, não apenas das empresas avaliadas, mas de todas as que participam da licitação, já que devem declarar que cumprem a reserva de cargos para participar do processo.
Digo isto pois a minuta de edital da AGU, por exemplo, inclui disposições que exigem que o licitante declare, ao cadastrar a proposta inicial, que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoas com deficiência e reabilitados da Previdência Social. A falsidade dessa declaração sujeitaria todos os licitantes às sanções previstas na Lei nº 14.133, de 2021, e consequentemente afastará muitas empresas dos certames publicos, reduzindo a já não tão grande ´participação de empresas, violando alguns princípios da propria Lei geral de licitações, como o da própria competitividade e da economicidade.
4.4. No cadastramento da proposta inicial, o licitante declarará, em campo próprio do sistema, que:
(…)
4.4.4. cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas.
(…)
4.7. A falsidade da declaração de que trata os itens 4.4 ou 4.6 sujeitará o licitante às sanções previstas na Lei nº 14.133, de 2021, e neste Edital.
12.1. Comete infração administrativa, nos termos da lei, o licitante que, com dolo ou culpa:
(…)
12.1.4. apresentar declaração ou documentação falsa exigida para o certame ou prestar declaração falsa durante a licitação.
Vejo que a aplicação dos princípios deve ser feita de maneira equilibrada, e se a aplicação de um princípio for levada ao extremo a ponto de inviabilizar ou prejudicar a observância de outros princípios, o objetivo da lei pode ser comprometido.
Resumindo, é um processo complexo, e qualquer decisão, seja favorável ou não, terá reflexos para a administração pública, para o pregoeiro e para as empresas envolvidas. Por isso, sugeri, e sua manifestação ajudou a confirmar, que decisões sobre essa questão devem ser tomadas com o respaldo, ao menos, de um parecer jurídico, para que o pregoeiro e a autoridade responsável possam pelo menos ter um pouco mais de respaldo, mesmo que precário, em suas decisões.