Ocorrências no SICAF

Prezados,

Uma empresa licitante tem diversas ocorrências de multas, advertências e impedimentos passados e um impedimento ativo do BANRISUL, âmbito órgão sancionador, no SICAF. Somam 31 ocorrências.
Ainda, na sessão de Impedimentos Indiretos, constam vigentes dois Impedimentos no âmbito da União, de empresa cuja Sócia é a esposa do empresário que participa da licitação aqui conosco, ou seja, esposa esta que foi sócia da empresa do marido até 2017, por isso a notificação de vínculo de “Sócio Inativo”.

Minha questão: Posso inabilitar a empresa? Estando ela vinculada indiretamente a empresa impedida, e ainda tendo um histórico de más condutas?

Multas, advertências e impedimentos passados não são motivos para desclassificação da empresa. Tampouco ocorrência impeditiva indireta, que só é um alerta de que pode haver alguma situação de burla a uma fraude imposta a outra empresa, o que requer análise por parte do pregoeiro.

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Obrigada pelo retorno! Esqueci de mencionar que ambas empresas (licitante e vinculada indiretamente) exercem a mesma atividade, a segunda foi criada após diversos processos contra a primeira, através da saída da sócia, esposa do licitante, e criação de um cnpj novo.
O cenário todo me pareceu se enquadrar em tentativa de burla aos processos contra a primeira empresa…inclusive encontrei jurisprudências nesse sentido…
Como proceder?

Olá, Paula.

Sobre o impedimento indireto, cito trechos da 4a edição do livro Como Combater a Corrupção em Licitações (em fase de editoração):

A forma como avaliar e processar os casos de indícios de impedimento indireto merece atenção.

Para falar disso, apresentamos, primeiro, um caso negativo. Ou seja, o que evitar.

No Acórdão nº 534/2020-1C o TCU analisou um Pregão em que a primeira colocada foi inabilitada, por causa de impedimento indireto apontado pelo Comprasnet. A empresa X, licitante, estava associada à empresa Y, declarada inidônea pelo TCU.

O pregoeiro entendeu pelo abuso de PJ porque havia documento da X assinado pelo antigo sócio da Y e o único atestado de capacidade técnica apresentado por X fora emitido pela Y. Para o pregoeiro, a documentação era contraditória e de veracidade duvidosa. A aparência era de que X estava participando apenas para burlar o impedimento de Y.

Mas o TCU entendeu de forma diferente. Havia, sim, fortes elementos de vínculo entre X e Y, sendo os sócios de uma e outra irmãos e residentes no mesmo endereço. Mesmo assim, tais indícios não seriam suficientes para comprovar o abuso de personalidade jurídica, porque Fulano, que havia sido sócio comum de X e de Y, já não fazia parte de nenhuma das duas, tanto por ocasião do certame que X concorreu quanto na aplicação da sanção pelo TCU à Y.

Para o TCU, também faltavam indícios de transferência de acervo técnico entre as duas sociedades após a Y ser impedida a participar de licitações públicas.

Em outros termos, ainda que houvesse fortes vínculos entre as duas empresas, não era possível afirmar, pelos elementos dos autos, que X atuou para fraudar a sanção aplicada à Y.

Além do mais, o pregoeiro não deu oportunidade para que X se manifestasse sobre a questão, o que é fundamental em casos como esse, respeitando a IN Seges n. 3/2018 (art. 29, § 2º), que obriga o gestor a diligenciar para verificar se houve fraude, a partir do Relatório de Ocorrências Impeditivas Indiretas gerado pelo sistema, assim como determina que seja convocado o licitante para manifestação prévia à sua desclassificação no certame.

Esse caso demonstra a relevância de cautela redobrada em ocorrências de potencial impedimento indireto, com a oportunização adequada de contraditório e ampla defesa.

Como referência de casos em que se entendeu pelo abuso de personalidade jurídica, encontramos o Processo administrativo nº 000792992.2016.5.04.0000 do TRF4, que tratou de ocorrência impeditiva indireta em pregão eletrônico. A licitante X alegou que foi criada antes do impedimento aplicado à Y. A unidade contratante entendeu que a data de abertura de X não era relevante no caso, porque o único sócio e administrador de Y continuava participando de licitações, como sócio-administrador da X, em sociedade com a mãe, em evidente abuso da personalidade jurídica, usando X para burlar a sanção de impedimento de Y.

Em Rondônia, a Justiça Federal negou pedido de uma empresa que tentava se livrar de punição. Primeiro, X deixou de entregar materiais e a unidade aplicou impedimento. Aí, no pregão seguinte, apareceu Y, com o mesmo dirigente e representante de X. A unidade contratante aplicou impedimento em Y também. Ficou comprovado que ambas eram controladas pela mesma pessoa, tinham o mesmo endereço e atuavam no mesmo ramo, caracterizando abuso da personalidade jurídica pela confusão patrimonial. Para o Juiz do caso, afronta aos mais comezinhos princípios de direito administrativo a participação em licitação de empresa constituída com desvio de finalidade. Pesou na decisão também o fato de que a unidade contratante promoveu o devido processo administrativo e obedeceu aos princípios do contraditório e da ampla defesa antes de aplicar a desconsideração da personalidade jurídica (Processo JFRO n° 0005941-62.2012.4.01.4100).

Na ementa do Acórdão TCU n. 2.218/2011-1C, podemos ler que o Tribunal de Contas entende como fraude presumida quando a empresa licitante possui objeto social similar e, cumulativamente, ao menos um controlador e/ou gerente em comum com a entidade impedida.

Em complemento, no Acórdão TCU nº 1.831/2014-P, verificamos outros elementos que podem configurar abuso da personalidade jurídica: a) identidade dos sócios-proprietários; b) atuação no mesmo ramo de atividade; c) compartilhamento do acervo técnico e humano.

Victor Amorim (2019) adicionou outros fatores potencialmente relevados de abuso de PJ, como a abertura de nova empresa depois da primeira ser impedida, proximidade de endereço dos estabelecimentos, identidade de telefones e endereços eletrônicos de contato, procurador ou preposto idêntico.

Acrescentamos, ainda, mais análises e diligências que podem ajudar a esclarecer se há ou não abuso de uma empresa tentando burlar o impedimento de outra.

Pode-se analisar, por exemplo, os contratos sociais e quadro societário dos licitantes, especialmente para verificar eventuais movimentos de ocultação do real controle das empresas. Uma pessoa com amplos poderes em uma empresa impedida pode se retirar formalmente da sociedade em outra empresa, mas continuar atuando efetivamente em ambas. Pode ser que o novo quadro societário seja de fachada, composto por laranjas, como funcionários ou parentes do verdadeiro controlador.

A empresa licitante pode ter sido criada com a única finalidade de escapar da punição. Por isso a data de criação e o ramo de atividade são elementos importantes.

Entretanto, não é necessariamente a abertura de uma NOVA empresa que configura abuso de personalidade jurídica para fugir de penalidade. O abuso pode acontecer também com empresa já existente, que atue no mesmo ramo e esteja sob o mesmo controle (de fato, não necessariamente de direito). Reforça-se esse argumento com o caso em que o TCU entendeu que poderia ter ocorrido tentativa de burlar o impedimento por meio da troca de sócios dias após a aplicação da penalidade, combinada com procuração a essa mesma pessoa que havia se retirado (Acórdão nº 12120/2019-2C).

Mais importante do que a data de abertura da empresa é a possibilidade de confusão patrimonial. Afinal, as empresas X (impedida) e Y (licitante vinculada a X) são efetivamente distintas ou se confundem como uma só? Atuam com clientes diferentes? Ambas disputam licitações do mesmo objeto ou em ramos distintos? Y passou a atuar em licitações só depois que X foi impedida? As duas empresas possuem sedes, estrutura, pessoal, estoque, operações próprias? Ou tudo é uma coisa só, variando apenas o CNPJ, talvez nem o endereço?

Outra coisa muito importante é quem - de fato - opera, administra, comanda a empresa Y (licitante vinculada à impedida X). O sócio majoritário se retirou de verdade ou foi só uma manobra formal para tentar fugir da punição? O novo sócio majoritário realmente está comandando a empresa?

Nesse sentido, vale analisar, por exemplo, os registros de cadastro de X e Y nos sistemas eletrônicos de compras. Quem fez esses registros. E-mails, endereços e telefones informados. Datas de cadastro e atualização.

Vale observar o ramo de atuação, o possível compartilhamento de estrutura operacional, o funcionamento em comunhão de interesses e atividades. A ideia é buscar elementos de convicção sobre a hipótese de que a licitante é apenas uma cópia, um clone da que foi impedida. Ou, ao contrário, se ambas atuam de modo efetivamente independente.

Pode servir como referência normativa, para disciplinar como processar esse tipo de situação, o regulamento do Estado do Paraná (Decreto nº 10.086/2021), que prevê indícios de abuso de personalidade jurídica como atividade econômica; quadro societário, dirigentes/administradores; estrutura física ou de pessoal.

Esse regulamento do Paraná prevê um rito processual que suspende o processo licitatório para investigar o abuso de PJ, notifica a licitante para manifestação em 2 dias úteis e avalia eventuais argumentos de defesa, bem como elementos complementares que tenham sido obtidos em diligência. A autoridade máxima do órgão emite decisão, da qual cabe recurso, sem efeito suspensivo.

Espero ter contribuído.

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