Nova Lei de Licitação - Vedação à recontratação (dispensa art. 75 inciso VIII)

Olá!

Considerando a realidade dos órgãos que são recorrentemente demandados judicialmente para adquirirem itens não padronizados (situação muito comum na área da saúde, em que as ações judiciais vão sendo recebidas ao longo do ano), gostaria de saber:

  1. Como os órgãos de vocês estão enfrentando a vedação à recontratação estipulada no inciso VIII art. 75 da NLLC (já que nunca haverá fornecedor suficiente para nao se repetir)?
    a) Efetuando as contratações repetidas e justificando que não podem esquivar-se de cumprir com a determinação judicial?
    b) Deixando de efetuar as contratações repetidas (aguardando a ADI)?
    c) Outro.

  2. No caso de dispensa de licitação (inciso VIII) para itens padronizados, o entendimento do seu Jurídico é de que a vedação se aplica a um exercício financeiro (considerando que a lei não poderia instituir vedação perpétua)?

VIII - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para aquisição dos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da emergência ou da calamidade, vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de empresa já contratada com base no disposto neste inciso

Pessoal, vou “upar” o tópico em uma tentativa de que os colegas da área da saúde vejam, ou mesmo outros que possam dar alguma contribuição (modelo de instrução processual, parecer jurídico, decisão de tribunal, já com base na NLLC) …

… é o problema da “judicialização da saúde”…

As Secretarias de Saúde vão sendo demandadas judicialmente, várias vezes ao longo do ano, em casos de pacientes, oriundos de atendimento médico ambulatorial no SUS ou de atendimento em consultório privado, ainda que os medicamentos ou materiais nem sejam padronizados. Algumas vezes, a substância sequer tem evidência científica, mas a palavra do médico é sempre o que os juízes levam em consideração nos casos concretos e não a política pública do Executivo (relação de medicamentos padronizados/essenciais).

Não há como prever/planejar a demanda (já que as prescrições médicas e, consequentemente, as ações judiciais vão surgindo aleatóriamente), então as contratações emergenciais se repetem pela própria natureza do processo judicial, pois normalmente o prazo dado pelo juiz para o cumprimento da determinação é de 5 dias.

1 Like

Olá, Linea.

Pelo que pude entender, sua preocupação se refere a compras de medicamentos e/ou insumos de saúde por determinação judicial, o que, grosso modo, atrai contratos por Dispensa Emergencial. Você está preocupada que a NLL proíbe recontratar o mesmo fornecedor pelo mesmo motivo que deu origem ao contrato emergencial.

Pode nos dar mais detalhes da sua situação? Talvez isso ajude a identificar opiniões e casos correlatos.

Olá, Franklin.

Os órgãos de saúde possuem seus catálogos, a exemplo da Relação de Medicamentos Essenciais, contendo itens para os quais devem ser mantidos estoques regulares, o que vai ao encontro do Princípio do Planejamento.
Nesse sentido, a SES-DF realiza as licitações (pregões eletrônicos para Registro de Preços) para o fornecimento contínuo, e apenas em casos excepcionais (por exemplo cancelamento de contrato) cabe uma contratação emergencial, com prazos e quantidades suficientes para aguardar que se conclua nova licitação em seguida (improvável que se faça necessário prorrogar ou recontratar). Entendo que é isto que o legislador queria alcançar com o texto do inciso VIII do art.75. Tudo certo até aí… as quantidades são estimadas considerando-se dados epidemiológicos (que por vezes são justamente aqueles que embasaram a inserção no catálogo - que chamamos de padronização), histórico de compras do órgão ou de outros órgãos similares, sazonalidade, substitutos, etc etc etc.

Para os demais medicamentos e insumos, já que as demandas surgem em função das determinações judiciais, como eu detalhei acima, não temos como fazer o Planejamento e evitar as recontratações. Inclusive o $$ não pode ser estipulado na LOA, há é um desfalque do $$ reservado para os itens padronizados. Não é uma falha de planejamento porque a decisão de comprar sequer foi do órgão que está comprando, mas sim do Judiciário, que, em dado momento, compeliu este órgão a realizar esta aquisição.
Muitas vezes se trata de novas tecnologias, uso compassivo (canabidiol ou oncológicos de última linha), indicação não descrita em bula, entre outros motivos pelos quais a política pública não determinou o fornecimento contínuo destes produtos.
E são sempre as mesmas empresas que apresentam proposta, consoante com o fato de serem produtos inovadores.
Só que o enquadramento da contratação para atendimento da demanda judicial é justamente o inciso VIII, sendo a emergencialidade justificada pelo risco à segurança/vida da pessoa, alegada na própria decisão na qual o juiz concede prazo exíguo para o fornecimento.
Neste caso, a vedação contida no final do texto do inciso ficou bem ruim. Diz " vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de empresa já contratada com base no disposto neste inciso". Não diz vedada a recontratação de empresa pelo mesmo motivo que deu origem ao contrato. Nesta segunda redação, veria uma boa margem para a vedação não se aplicar às judicializações, já que uma contratação foi pelo "motivo paciente X, que teve decisão judicial na data A " e as recontratações foram pelo “motivo paciente Y, que teve decisão na data B”, “motivo paciente Z, que teve decisão judicial na data C”, etc.

O texto adotado pelo legislador sequer estipulou um prazo em que a recontratação estaria proibida (um exercício, por exemplo).

Eu fico pensando que, para não haver esta forçação de o gestor ficar justificando o tempo todo o descumprimento da lei, ou teria de ser incluído um inciso do art. 75 próprio para o caso das judicializações, ou que o texto do VIII fosse melhorado.
… pelo q vi na notícia que colei acima, há uma ADI, mas parece q não deu em nada (e nem era exatamente pelos motivos que acometem o SUS) .

Enquanto isso, fica esta situação delicada.

Ou há outra luz no fim do túnel?

1 Like

Obrigado por compartilhar conosco, Linea.

Eu não teria dúvidas em defender que a única interpretação lógica, racional e plausível para o texto da NLL é a vedação de recontratação de empresa pelo MESMO MOTIVO que deu origem ao contrato emergencial.

Concordo com Guilherme Carvalho, que escreveu este artigo sobre o tema, afirmando que o objetivo da norma, com essa vedação, foi “eliminar preferências subjetivas em relação ao contratado”, ou seja, ficar escolhendo repetidamente o mesmo fornecedor para a contratação direta emergencial. Acrescento que a lógica da norma é a escolha discricionária sem justificativa fundamentada. O autor defende que o artigo 75, VIII deve ser interpretado em combinação com o artigo 20 da Lindb, de forma a levar em conta as consequências práticas da decisão.

Camila Cotovicz Ferreira também escreveu sobre o assunto. Comentando sobre a vedação de recontratar, ela defende que o legislador quis priorizar o atendimento da demanda por licitação, evitando que uma situação excepcional se torne permanente. E autora faz uma análise muito lúcida:

[a vedação de recontratar não pode] atingir o particular contratado por dispensa emergencial e sua igualdade de condições para contratar com o Poder Público com fundamento em outra contratação direta (outras hipóteses de dispensa ou inexigibilidade) ou por meio de disputa de licitação. Nota-se que a finalidade da regra é preservar o dever constitucional de licitar, de modo que não é possível entendê-la como hipótese de vedação à disputa de licitação ou participação na execução de contrato.

Não se pode esquecer do art. 22 da Lindb. As interpretações precisam considerar “os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo”.

Não encontrei julgados sobre o tema, que ainda é bem recente. Uma sugestão seria submeter a tese à consulta no Tribunal de Contas correspondente.

Espero ter contribuído.

2 Likes

Eu que agradeço pela atenção de sempre.

Os textos dos autores que você indicou já vão agregar nas discussões aqui.

Muito obrigada!!

Olá pessoal! Boa noite, apenas para atualizar sobre o tema, trago a informação de que no último dia 06.09.2024, o STF julgou parcialmente procedente a ADI 6890, que discute a constitucionalidade do disposto na parte final do art. 75, inc. VIII,da Lei n. 14.133/2021, a qual veda a recontratação de empresa já contratada
com base em dispensa de licitação fundamentada em situação emergencial ou calamidade pública. O placar foi de 9x2 pela procedência parcial da referida ADI. O relator foi o Ministro Cristiano Zanin. Vale a pena dar uma olhadinha no voto dele. Uma discussão bastante interessante! Abraços a todos!

Segue o link:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6201037

2 Likes

Muito obrigada por avisar, Mariana.

Li os arquivos Relatório (https://sistemas.stf.jus.br/repgeral/votacao?texto=6260136), Voto (https://sistemas.stf.jus.br/repgeral/votacao?texto=6260137) e Complemento de Voto (https://sistemas.stf.jus.br/repgeral/votacao?texto=6277318) e gostei principalmente do posicionamento do relator neste último documento.

No entanto, nem a Associação que ajuizou a Ação, nem as autoridades e os juristas citados (Procuradoria-Geral da República, Advocacia-Geral da União, Advocacia do Senado, Marçal Justen Filho, Flávio Garcia Cabral)… NINGUÉM abordou esse problema da judicialização que a gente discutiu aqui: que tristeza! :sleepy: :confounded: :flushed: :sweat_smile: