Prezados colegas,
Gostaria de saber o entendimento de vocês a respeito do teor da nova Medida Provisória nº 961, de 06/05/2020.
A referida MP aumenta os limites dos incisos I e II do art. 24 da Lei 8.666 para, respectivamente, R$ 100.000,00 e R$ 50.000,00, mas só “durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020”.
Ou seja, enquanto durar a emergência de saúde pública de importância internacional relacionada ao coronavírus (Covid-19), os limites das Dispensas de Licitação por “baixo valor” ficam majorados para R$ 100.000,00 (obras e serviços de engenharia) e R$ 50.000,00 (demais serviços e compras).
O que me intriga é o aumento de tais limites de Dispensa estar vinculado ao estado de pandemia, ou seja, relacionado à situação que enfrentamos pelo coronavírus. E isso me remete à própria hipótese de Dispensa de Licitação criada pelo art. 4º da Lei 13.979. Trata-se de hipótese específica de contratação “para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”.
Igualmente, a Dispensa de Licitação baseada no art. 4º da Lei 13.979 “é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”.
A meu ver, a nova MP 961 estimula o gestor público a utilizar o art. 24, I e II, para contratar serviços ou adquirir bens sem a observância da Lei 13.979. E, salvo melhor julgamento, havendo no ordenamento jurídico dois dispositivos que se encaixam numa mesma situação, devemos seguir aquele que for mais específico ao caso concreto.
Por exemplo, ao cogitar contratar serviços de fornecimento de energia elétrica num valor hipotético de, suponhamos, R$ 15.000,00, deve o gestor público valer-se, obrigatoriamente, do art. 24, XXII, da Lei 8.666 — e não do inciso II — para fundamentar a Dispensa de Licitação, já que o enquadramento é mais específico. Utilizar o art. 24, II, nesse exemplo, seria um erro, pois há outro dispositivo com respaldo propriamente voltado ao caso concreto.
Nessa linha de raciocínio, dizer que o aumento dos limites do art. 24, I e II, está relacionado à duração do estado de calamidade pública ocasionado pela Covid-19 dá a entender que os limites estão sendo majorados para que os gestores possam gastar mais recursos no fundamento do “baixo valor” para fins de enfrentamento da pandemia. E, no entanto, compras e serviços ligados à situação do coronavírus deveriam se respaldar no art. 4º da Lei 13.979.
Ao sugerir que o aumento dos limites de Dispensa do art. 24, I e II, deve-se à pandemia, instiga-se o gestor público a utilizar tal fundamento e fugir do rito trazido pela Lei 13.979. Assim, o gestor poderia comprar e contratar com vistas ao enfrentamento da pandemia, mas com respaldo no art. 24, I ou II — e não no art. 4º da Lei 13.979, que é específico para tal finalidade.
Ao assumir a Dispensa por via do art. 24, I ou II, o gestor público escapa da obrigatoriedade de encaminhar o processo para análise de conformidade e emissão de parecer jurídico da Procuradoria, bem como afasta-se da necessidade de firmar Termo de Contrato nos moldes do modelo AGU, substituindo o instrumento por mera Nota de Empenho. Além disso, ao optar pelos novos e saborosos limites do art. 24, I e II, incorre no risco de fracionamento da despesa pública, já que não goza da presunção de legitimidade da situação de calamidade pública, como prevê o art. 4ª-B da Lei 13.979.
A meu ver, excetuado melhor julgamento, a MP 961, embora dotada de ótimas intenções, confunde e enseja o mau uso da Dispensa por “baixo valor”, ignorando as particularidades de outra hipótese mais específica, a do art. 4º da Lei 13.979. Afinal, pode o gestor fazer o que quiser?
Diante desse cenário, gostaria de conhecer a opinião dos colegas, na melhor intenção de um debate lúcido e proveitoso a todos.