Garantia minuta contratual AGU

Colegas,

Estamos encontrando dificuldades com a minuta de contrato da AGU, cujo uso é obrigatório, em relação à garantia contratual, vejam o texto:

prejuízos advindos do não cumprimento do objeto do contrato e do não adimplemento das demais obrigações nele previstas;

multas moratórias e punitivas aplicadas pela Administração à contratada; e

obrigações trabalhistas e previdenciárias de qualquer natureza e para com o FGTS, não adimplidas pelo Contratado.

Em caso de seguro-garantia, a apólice deverá ter cobertura para pagamento direto ao empregado após decisão definitiva em processo administrativo que apure montante líquido e certo a ele devido em razão de inadimplência do Contratado, independentemente de trânsito em julgado de decisão judicial.

Essa parte final está entrando em conflito com as normas da SUSEP, especificamente a Circular SUSEP nº 662/2022.

Nos comentários da AGU, constantes da minuta de contrato, há o seguinte texto:

Nota Explicativa: Essa disposição tem como base o disposto no art. 121, § 3º, inciso I, da Lei nº 14.133, de 2021, bem como o entendimento firmado no PARECER n. 00036/2024/DECOR/CGU/AGU (NUP: 18220.101646/2022-06), aprovado pelo Despacho do Advogado-Geral da União nº 332, de 13 de agosto de 2024, segundo o qual:

“a) não se mostra compatível com a Lei nº 14.133, de 2021, e a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, a cláusula de seguro-garantia que condiciona o pagamento de verbas trabalhistas e previdenciárias ao trânsito em julgado de ação de responsabilização, em contrato de prestação de serviço continuado com dedicação exclusiva de mão de obra; e

b) a apólice de seguro-garantia que contenha essa previsão é passível de rejeição, cabendo à Administração a decisão a partir da avaliação dos critérios de conveniência e oportunidade”.

Dito isso, indago aos colegas se já ocorreu fato semelhante (impugnação em licitação, esclarecimentos, declaração da contratada quando da apresentação da garantia, etc.) e se houve alguma solução.

Oi, @Braggio

Sobre esse tema, da minuta contratual da AGU, que impõe expressamente que a apólice de seguro-garantia cubra “obrigações trabalhistas e previdenciárias de qualquer natureza e para com o FGTS, não adimplidas pelo Contratado” e que autoriza pagamento direto ao empregado “após decisão definitiva em processo administrativo … independentemente de trânsito em julgado de decisão judicial”, apresento considerações e alternativa que defendo ser mais racional.


1. Fundamento no artigo de Ronny Charles & Lindineide Cardoso

No artigo “A apólice de seguro‑garantia e a correta interpretação da cobertura adicional quanto às ações trabalhistas e previdenciárias”, os autores defendem que:

  • A cobertura adicional destinada a ações trabalhistas e previdenciárias é essencial para mitigar o risco de responsabilização em razão de falhas de fiscalização.

  • Exigência de garantia desse tipo não contraria a Lei 14.133/2021, desde que a apólice tenha escopo adequado e remuneração de risco compatível.

  • Exigência de pagamento antes do trânsito em julgado (ou sem decisão judicial definitiva) pode gerar distorções, litígios com a seguradora, e prêmio elevado, o que fragiliza o mercado.

  • O Parecer 36/2024 da AGU tem visão contraditória.

  • Recusa automática de apólices pode deixar a Administração exposta.

Dessa análise, é possível extrair dois vetores defendidos pelos autores:

  • Vetor A: A garantia contratual por seguro-garantia é adequada e desejável para o risco trabalhista/previdenciário, especialmente em contratos DEMO.

  • Vetor B: A exigência de pagamento imediato ou antes de decisão judicial definitiva enfrenta obstáculos técnicos, lógicos e de mercado: seguro de dano pressupõe dano certo e quantificado, o que raramente se dá antes do trânsito em julgado.


2. A minha proposta alternativa

Proponho uma estratégia contratual pragmática, mais aderente ao princípio da racionalidade técnica, da economicidade e da realidade dos riscos:

  • Usar o seguro-garantia para cobrir multa (inadimplemento contratual, especialmente a falha em obrigações trabalhistas ou previdenciárias — riscos definidos, imediatos e quantificáveis.

  • Para o risco trabalhista/previdenciário, usar o dinheiro da multa, coberta pelo seguro, para, se for o caso, depositar em juízo como provisão financeira para responder ao eventual passivo.

  • Assim, mantém-se a garantia contratual eficaz para o risco certo, enquanto o risco incerto (responsabilização trabalhista) é tratado por meio da provisão, preservando liquidez, reduzindo custo e evitando bloqueios de mercado.

Essa abordagem tem as seguintes vantagens:

  • A seguradora assume risco que sabe quantificar;

  • O ente público não exige condições impraticáveis de apólice;

  • O mercado permanece competitivo e com preços equilibrados;

  • A Administração guarda margem para responder ao passivo trabalhista sem depender de seguro oneroso ou com cláusula impossível;

  • Mantém-se foco na fiscalização, responsabilização do contratado e liquidação da multa, que é algo promocional da boa execução.


3. Concluindo

  • O artigo de Ronny Charles & Lindineide Cardoso traz uma análise relevante e profunda, mas mesmo os autores reconhecem que a exigência de pagamento sem trânsito em julgado comporta dificuldades práticas.

  • A minuta da AGU opta por uma condição que, embora proteja o trabalhador e a Administração, pode gerar elevação de custo, inviabilização do seguro-garantia e menor competitividade.

  • A proposta alternativa busca equilíbrio entre segurança jurídica, eficiência contratual e mitigação de custos, mantendo garantia eficaz para eventos certos e propondo mecanismo distinto para risco trabalhista incerto.