Pela lógica do formalismo moderado, em compra pública, o mais importante é o resultado pretendido, não o processo burocrático.
Essa diretriz está relacionada à compreensão de que licitação é mais que um instrumento jurídico, sendo, na essência, um negócio no qual se busca uma solução apropriada para uma demanda legítima, ofertada por um provedor idôneo, a um preço justo, atendendo a múltiplos princípios e objetivos. (SANTOS e PÉRCIO, 2022).
Esse negócio jurídico merece interpretação adequada à sua natureza. Na lúcida definição de Adilson Dallari (1997), licitação não é concurso de destreza para o melhor cumpridor de edital.
Foi exatamente o que a NLL consagrou no artigo 12, inciso III, prevendo relevar e sanear falhas formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão de sua proposta, sem afastá-lo da licitação ou invalidar o processo. Na habilitação, a NLL reforça o saneamento de erros ou falhas formais que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado e transparente (art. 64, §1º). É a lógica da essência sobre a forma, positivada como regra geral.
A mesma lógica aparece em outros dispositivos da lei, revelando a coerência do espírito de formalismo moderado que deve reger as compras públicas. Como exemplo, o artigo 169, §3º, I prevê o controle de impropriedade formal por meio de saneamento e mitigação de riscos de nova ocorrência. Já o art. 80, §4º determina correção ou reapresentação de documentos, quando for o caso, com vistas à ampliação da competição em procedimentos de pré-qualificação.
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o edital não é um fim em si mesmo e a interpretação e aplicação das regras deve ter por norte o atingimento das finalidades da licitação, evitando apego a formalismo exagerado, irrelevante ou desarrazoado (Acórdão nº 1211/2021-P).
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Privilegiar a essência sobre a forma e a busca da proposta que proporciona o melhor resultado.
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Isso é compatível com o art. 64, inciso I, da NLL, que admite expressamente a possibilidade de diligência para complementar informações necessárias à apuração de fatos existentes à época da abertura do certame.
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O TCU tem entendido que pode, sim, juntar documento ausente, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação, por equívoco ou falha, desde que tal documento comprove condição atendida pelo licitante antes da abertura das propostas (Acórdão TCU nº 1211/2021-P).
Para os autores deste livro, essa posição está correta. Da mesma forma que deve ser permitido sanear proposta, também se permite corrigir comprovação de habilitação, com a prevalência do fim (resultado) sobre os meios (processo burocrático). O que importa é saber se o licitante tinha as condições requeridas no momento da abertura da disputa, a ausência ou a falha em um documento que registre essa situação não pode ser mais relevante do que a verdade dos fatos.
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conforme o caso concreto, quem conduz o certame deve diligenciar para buscar o saneamento de falha ou equívoco da documentação apresentada e, na visão do TCU, sanear o que faltou.
O saneamento pode ocorrer, inclusive, de ofício, por diligência realizada pelo próprio agente condutor do certame, por meio de consulta aos sítios eletrônicos e às bases de dados oficiais para verificação do atendimento de condições de habilitação do licitante, inclusive no tocante a documentos eventualmente não apresentados. Essa é posição defendida no Enunciado 9 do I Simpósio de Licitações e Contratos da Justiça Federal, com base no art. 12, VI; art. 67, §3º; art. 68, §1º e art. 87 da NLL.
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Em outro exemplo, o TCU entendeu que se deve habilitar licitante que comprova, após diligência, condição preexistente à abertura da sessão pública (Acórdão nº 2443/2021-P).
A questão é controversa e tem entendimento diferente em outras instâncias.
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[exemplo de posição contrária ao TCU é o] Parecer nº 06/2021/CNMLC/CGU/AGU, no qual a Advocacia Geral da União (AGU) confrontou a jurisprudência do TCU e decidiu que só pode haver complementação de documentos já apresentados, impedindo corrigir falha de esquecimento ou equívoco de licitante que deixou de apresentar documentos.
Reforçando essa visão, os modelos de editais da AGU para a NLL trazem redação explícita de que, após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para complementar os documentos já apresentados e desde que se refiram a fatos existentes à época da abertura do certame.
Acreditamos, diante da polêmica, relevância e potencial de impacto, que o tema ainda será objeto de intensos debates. Mantemos nossa opinião de que licitação não é gincana, não faz sentido perder um bom negócio por falta de um documento.
Espero ter contribuído.