Análise do Direito ao Benefício de ME e EPP - Lei 14.133

Prezados, gostaria da opinião dos colegas a respeito da obrigação do pregoeiro de analisar a documentação das empresas enquadradas como ME/EPP, pois entendo que o texto do modelo de edital para Pregões pela Lei 14.133 (itens 3.5.1; 4.6 e 7.5 copiados abaixo) traz essa verificação obrigatória pelo Pregoeiro, sem, no entanto, explicitar exatamente quais serão os documentos analisados e em que momento devem ser enviados pelos licitantes. Além disso, questiono se esta verificação é de fato obrigação do Pregoeiro.

3.5.1. A obtenção do benefício a que se refere o item anterior fica limitada às microempresas e às empresas de pequeno porte que, no ano-calendário de realização da licitação, ainda não tenham celebrado contratos com a Administração Pública cujos valores somados extrapolem a receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte.

4.6. O fornecedor enquadrado como microempresa, empresa de pequeno porte ou sociedade cooperativa deverá declarar, ainda, em campo próprio do sistema eletrônico, que cumpre os requisitos estabelecidos no [artigo 3° da Lei Complementar nº 123, de 2006], estando apto a usufruir do tratamento favorecido estabelecido em seus [arts. 42 a 49], observado o disposto nos [§§ 1º ao 3º do art. 4º, da Lei n.º 14.133, de 2021.

7.5. Caso o licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar tenha se utilizado de algum tratamento favorecido às ME/EPPs, o pregoeiro verificará se faz jus ao benefício, em conformidade com os itens 3.5.1 e 4.6 deste edital.

Desde já, agradeço a atenção.

Olá, Jose Felipe.

Cito trecho da 4a edição do livro Como Combater a Corrupção em Licitações (em editoração) que trata do risco de ME/EPP falsa.

Na prática, vencendo uma ME ou EPP fantasma, quem vai executar o contrato é uma “concorrente” derrotada no certame ou uma empresa que sequer participou, mas que detém a estrutura operacional necessária (empregados, maquinário, veículos etc.), muitas vezes, como o mesmo endereço e telefone e mesmo administrador da ME/EPP de fachada.

Por isso, havendo dúvidas sobre o enquadramento de licitante em condição que lhe proporciona benefícios na licitação, seja pelo pequeno porte, atuação em Cooperativa ou acesso a regime tributário especial, como o Simples Nacional, cabe pesquisar o histórico de receitas em portais de transparência da Administração Pública, no Portal Nacional de Contratações Públicas, solicitar documentos contábeis ou outros elementos aptos a demonstrar a correção e veracidade do enquadramento para fins de usufruir dos benefícios.

Em função desse tipo de risco, o TCU recomendou a criação de robô no Comprasnet para identificar o eventual descumprimento do enquadramento como ME ou EPP e, assim, bloquear a participação indevida (Acórdão nº 1.387/2020-2C). Os autores deste livro concordam e defendem medidas dessa natureza, que privilegiem o uso de trilhas automatizadas de auditoria em compras públicas como mecanismo preventivo de fraudes.

Em um caso, o TCU apontou omissão de quem conduziu a licitação, por não investigar suspeita de fraude no uso indevido dos benefícios da LC 123. Mesmo depois de ter conhecimento de indícios informados nos recursos administrativos interpostos contra o resultado do certame, não houve avaliação efetiva do caso. A denúncia era de que a empresa vencedora havia ultrapassado o limite de receita bruta para se enquadrar em pequeno porte. Uma das providências possíveis era a pesquisa nos portais de transparência de entes governamentais, a fim de verificar quanto a empresa auferiu em contratos divulgados nesses portais, o que, caso superasse o limite, já seria um indício muito forte de fraude (Acórdão nº 250/2021-P).

Esse mesmo julgado estabeleceu que, para se enquadrar como Empresa de Pequeno Porte (EPP) na licitação, o período de apuração das receitas auferidas deve ser o ano-calendário anterior, de janeiro a dezembro, e não os doze meses anteriores ao certame. No caso específico analisado, o relator constatou que a empresa vencedora do pregão, que se declarou EPP, não se enquadrava mais nos critérios da LC 123 porque faturou mais que o limite permitido no ano-calendário anterior. Para o TCU, houve fraude à licitação, e embora a argumentação de que os doze meses anteriores ao pregão deveriam ser considerados para contabilização da receita bruta não fosse irracional, o TCU decidiu pela declaração de inidoneidade da empresa vencedora do certame.

Assim, vários julgados do TCU apontam que ME/EPP falsa é fraude em licitação que preveja benefícios a esse porte empresarial, resultando em declaração de inidoneidade (Acórdãos nº 1028/2010-P, 2846/2010-P, 2928/2010-P, 3217/2010-P, 3228/2010-P, 3381/2010-P, 588/2011-P, 744/2011-P, 1137/2011-P, 1439/2011-P, 2259/2011-P, 2606/2011-P, 1702/2017-P, 2599/2017-P, 61/2019-P, 866/2021-P, 2534/2021-P, 930/2022-P). Não importa se a fraude produz ou não a vantagem esperada (Acórdãos nº 1552/2013-P, 824/2014-P, 922/2014-P, 1104/2014-P, 1797/2014-P).

Espero ter contribuído.

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