Prezados,
No Termo de Referência e na planilha de custos e formação de preços de uma contratação de serviços continuados de motorista de ambulância, não foi estimado valor para cobrir despesas com vale transporte e a justificativa é que nos últimos 4 anos nenhum trabalhador utilizou VT, em razão de possuir seu próprio meio de transporte. Como os serviços são prestados na escala 12 x 36, o desconto não se mostra vantajoso, e acaba que nós não fazemos a glosa, já que no passado enfrentamos pedidos de impugnação, com julgados bem interessantes do Poder Judiciário em desfavor da glosa.
No edital de licitação, informarei apenas que se for necessário e concedido ao trabalhador, o valor do VT será acrescido ao contrato, na forma da lei.
O que temos visto são empresas que estão sendo favorecidas com os valores pagos aos trabalhadores, mas não utilizados, pois vários residem próximo ao local de trabalho.
Como os colegas procedem em tais situações?
Antes de tentar contribuir, @Natanael, conta mais pra gente sobre os motivos e detalhes dos pedidos de impugnação do passado e especiamente os julgados do Judiciário em desfavor da glosa.
Pergunto porque a glosa pode ser questionada se não estiver claramente definida e prevista nas regras da contratação.
Por exemplo, na IN 05/2017, está previsto que a coisa deve ficar definida ainda na licitação:
Art. 63. A contratada deverá arcar com o ônus decorrente de eventual equívoco…
§ 1º [isso vale para] custos variáveis… [ e incertos como] vale-transporte.
§ 2º [se a estimativa for maior que as] necessidades da contratante, a Administração deverá efetuar o pagamento seguindo estritamente as regras contratuais de faturamento…
A Professora @FlavianaPaim respondeu a um tópico similar:
Um dos cenários que ela sugeriu foi
prever que este item será pago conforme a medição (utilização pela empresa) (e não como glosa). Neste caso todo mês juntamente com aferição de qualidade do serviço prestado ao aplicar o IMR, também se verifica o custo com VT pago pela empresa e a empresa recebe até limite da sua proposta.
Vou seguir com a sequência do citado art. 63 da IN 05/2017:
§ 1º O disposto no caput deve ser observado ainda para os custos variáveis decorrentes de fatores futuros e incertos, tais como os valores providos com o quantitativo de vale-transporte.
Vou fazer uma volta a quando o orçamento não era feito com a planilha de custos (antes da IN 05/2017). Neste caso, a empresa apresentava a planilha de custos (IN 02/2008), tal planilha era montada de forma a chegar ao valor compatível com o lance ofertado.
O que aconteceu foi que em 2014, sobreveio a ORIENTAÇÃO NORMATIVA/SLTI Nº 3, DE 10 DE SETEMBRO DE 2014, trazendo:
I – nos contratos de prestação de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra deve haver o desconto na fatura a ser paga pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, do valor global pago a título de vale-transporte em relação aos empregados que expressamente optaram por não receber o benefício previsto na Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985, regulamentado pelo Decreto nº 95.247, de 17 de novembro de 1987.
Diante disso, os órgãos e entidades SISG passaram a ter que cumprir a regra.
Mas veja bem, o gestor do contrato tinha que lidar inteiramente com uma planilha de custos da licitante.
Indo mais adiante: isso se aplica às licitações anteriores a IN 05/2017 e também às posteriores. Pergunto: e como lida com os valores de vale-transporte superiores a duas passagens urbanas diárias? Como lidar com o interurbano? Como a Administração Pública cria a planilha e arbitra o vale-transporte?
Penso que a resposta está justamente na IN nº 05/2017.
Agora para entender isso, teria que ser de fato considerada a redação posta pela IN no art. 63.: “A contratada deverá arcar com o ônus decorrente de eventual equívoco no dimensionamento dos quantitativos de sua proposta, devendo complementá-los caso o previsto inicialmente em sua proposta não seja satisfatório para o atendimento ao objeto da licitação,…”
Se a contratada deve arcar com equívoco do que foi dimensionado, ela tem que ter feito um dimensionamento. Como a responsabilidade pelo dimensionamento é dela, o correto seria deixa-lá dimensionar o vale-transporte. Isso significa que ela poderia colar mais ou menos em vale-transporte. Colocar mais não gera aumento no lance ofertado, na prática ela terá que estar diminuindo do seu campo lucro.
E com isso não estou resolvendo o que é o correto no dimensionamento da planilha de custos pela Administração; acho até que o razoável é mesmo adicionar duas passagens diárias urbanas. O detalhe é não ingerir na precificação das licitantes, como deve ser para cumprir com o disposto na IN 5/2017, lembrando que o artigo 63 traz que isso deve ser observado ainda para os custos variáveis decorrentes de fatores futuros e incertos, tais como os valores providos com o quantitativo de vale-transporte.
Sendo assim, a licitante deveria ter a liberdade de prever na planilha de custos conforme sua expectativa de execução contratual e não haver glosa. Repito: se a licitante gastar mais em vale-transporte do que previu na planilha, vai arcar; se gastar menos, vai aumentar seu lucro. MAS, nada disso importa frente a questão principal: O valor a ser PAGO quando adotada a regra da conta-vinculada, vai ser o valor fixo. Ou seja, se há um valor mensal a ser pago, o fato da licitante ter que prover os quantitativos necessários à execução contratual não deveria impactar o que ela recebe, simplesmente ela pode gastar mais ou menos, lucrando mais ou menos. Ela não leva nenhuma vantagem zerando custo de vale-transporte se depois vai ter que arcar com os custos correspondes, tendo que que retirar do que previu como lucro. O que faz a licitante ganhar a licitação é dar o melhor lance e provar que é exequível, independentemente dos valores postos em eventos futuros e incertos dos quais ela terá que honrar de qualquer jeito, como é o caso do vale-transporte, indenizações por rescisões, etc.
E para finalizar, a supracitada orientação normativa foi revogada pela IN nº 102, de 2020, o que pode ajudar a explicar o porquê de algumas decisões jurídicas desfavoráveis à glosa.
Perfeito seu comentário.
Já tratamos disso aqui em outro tópico:
Particularmente, sempre defendi que diversos itens presentes na planilha de composição de custos possuem caráter estimativo. Trata-se de um instrumento técnico, sim, mas que não representa uma peça de exatidão matemática, já que a execução dos serviços está sujeita a variáveis operacionais e contextuais. Ainda que haja certa previsibilidade, ela jamais será absoluta. Por isso, as empresas tendem a adotar o máximo rigor na gestão para mitigar custos sempre que possível.
Ora, assim se o ônus por eventuais custos adicionais é integralmente assumido pela contratada — mesmo quando extrapolam a estimativa inicial —, por que ela não poderia, com igual legitimidade, manter para si o benefício financeiro resultante de uma economia na execução, sobretudo quando esta decorre de uma gestão eficiente e lícita? Não há aqui qualquer desvio ético ou legal, mas sim um reflexo natural da boa administração empresarial, que sejamos diretos e honestos: visa lucro.
Outrossim, sob a ótica da gestão contratual, fiscalizar custos de forma isolada revela-se, na prática, um paradoxo contraproducente. Tomemos como exemplo essa questão da glosa do vale-transporte. Se, na condição de representante da empresa contratada, eu tiver de optar entre um colaborador que reside próximo ao local de trabalho e outro que precise de duas conduções diárias, a escolha lógica recairia sobre aquele que mora mais perto: ele gasta menos tempo em deslocamento, desfruta de maior qualidade de vida, sente-se mais motivado e, com isso, tende a apresentar menor índice de faltas. Contudo, se a administração decide glosar o vale-transporte não utilizado, a decisão empresarial racional passa a ser justamente o oposto: contratar quem mora longe, pois, além de receber o reembolso do transporte, incidem sobre esse valor os percentuais de lucro e as despesas administrativas — aspectos que, convenhamos, também oneram o contrato.
Ainda que, num contrato com poucos empregados, essa situação possa parecer irrelevante, imagine-se seu efeito sobre um contrato de grande porte, com centenas de colaboradores. Na busca — legítima — por redução de custos, a administração acaba por estimular que a contratada faça a opção “mais onerosa” num contexto operacional mesmo, uma vez que o “mais barato” não lhe traz nenhum benefício real e, via de regra, é também a alternativa mais vantajosa para o próprio usuário final do serviço.
Em síntese, esse modelo de fiscalização, ao invés de promover eficiência, acaba por penalizar tanto a contratada quanto a administração. Resta-nos a expectativa de que esse paradigma seja em breve revisto, em prol de uma gestão verdadeiramente equilibrada e eficaz.
Concordo plenamente, @Alok.
E infelizmente muitas pessoas olham planilhas como fins em si mesmas, “caçando” valores. Não entende a finalidade da forma adotada para a composição dos custos e ainda não consegue diferenciar bem as implicações de acordo com cada forma.
E é bem nessa linha que o colega @Roberto_Lange apontou: muitos fixam regra da conta vinculada mas estabelecem uns controles como se fosse com pagamento pelo fato gerador (para descontar valores, nunca para aumentar). Se a empresa foi eficiente e economizou nos custos, deve devolver valores dos custos que supostamente não ocorreram da exata forma estimada preliminarmente; se o custo acabar sendo maior que o estimado, aí era risco da própria empresa ao formular a proposta e deve assumir o ônus decorrente.
Exato @alex.zolet!!!
Esse é o risco (positivo) de empreender e ser empresário!
A não ocorrência de custos previstos na Planilha, é risco positivo para a Empresa, está na álea ordinária do Contrato.
Não fosse assim, o saldo residual da Conta Vinculada deveria retornar para a Administração Pública, o que não acontece. Reforçando a hipótese de que a boa performace da Contratada gera sim ganhos financeiros.
E veja que nenhuma das outras partes foi lesada: nem a Adm Pública, nem o trabalhador. Ou seja o Contrato está em pleno EQUILÍBRIO.
Já utilizei a IN 03 no passado, mas ainda assim, não optamos por glosa.
Perfeito.
A glosa foi mencionada em edital a partir da ON 03/2014. A impugnação trouxe entendimentos de diversos tribunais, em especial do TRF 4ª Região. Como a regra constava no Termo de Referência da área demandante, solicitei correção e acatei a impugnação. De lá pra cá, nada mais foi mencionado a respeito. Acompanhei a resposta da profª Flaviana naquele post.
A questão aqui é que a secretaria demandante informa claramente que o vale transporte não deveria constar na planilha, já que nos últimos anos, nenhum trabalhador requisitou, conforme declaração do próprio fiscal. Confesso que não vejo motivo para mencionar o vale transporte, já que não há utilidade na planilha e se por acaso surgir a despesa, podemos alterar o contrato.
Lembrando que temos conhecimento a respeito das planilhas e durante muito tempo tive que defender arduamente a impossibilidade de glosa de VT, pois era a determinação da nossa assessoria jurídica. Depois da impugnação, ficou mais fácil o convencimento. Lembrando que nunca efetuamos glosa em nossos Contratos, nem antes, nem mesmo depois do edital impugnado.
Também não era desconhecido o entendimento dos tribunais a respeito, mas com o surgimento da ON 03/2014, passou a constar a regra no Edital. Mas foi corrigido a falha.
Lembrando que somente foi mencionado glosa em um Edital a partir da ON 03/2014, e suprimido nos seguintes.
No julgado (TRF 4ª Região, AC nº 5017482-90.2016.4.04.7201), a glosa era permitida desde que constasse em edital, mas necessário a abertura de contraditório e ampla defesa ao contratado. Trabalho demais.
Um resumo do MS pode ser visualizado aqui: TRF4: A glosa exige contraditório e ampla defesa? | Blog da Zênite