Suspeita tentar bular fraude - licitação

Boa Tarde !

Estou com seguinte situação:

Uma empresa do município foi sancionada e levou punições por descumprir contrato, ficando impedida de licitar no âmbito municipal. O dono dessa empresa, tem outra empresa, na cidade vizinha com mesma atividade na qual ele é socio majoritário. Abrimos uma licitação para contratação serviço monitoramento, para nossa surpresa, empresa desse mesmo dono entrou na briga e venceu licitação, na fase habilitação constatamos que tratava-se mesmo dono da empresa que haviamos aplicado punição. Contrato social da empresa foi alterado uma semana antes da abertura da licitação, alterando quadro da cota empresa. Ele saiu de socio majoritário vendendo maior das cotas para pessoa que era cotista de apenas 10% da empresa. Ou seja ele tinha 90%, vendeu e ficou com 10% apenas.

Fez isso uma semana antes da abertura da sessão, visivelmente, foi uma jogada para poder participar da licitação, ja que outra empresa dele foi punida no municipio.

Isso configura fraude na tentativa de bular a punição que levou? Como proceder nesse caso? Alguem pode responder sobre essa questão. Ficarei grato.

@mardonioadm,

Se ele ainda fosse sócio majoritário da segunda empresa, somente isto não seria motivo para impedir essa empresa de participar da licitação. Não há previsão legal para isto. Não podemos inventar sanções.

O fato dele mudar a sua participação societária não muda absolutamente nada em relação à segunda empresa poder ou não participar da licitação.

Só podemos pensar em impedimento indireto quando a CONSTITUIÇÃO da nova empresa for para burlar a sanção imposta a outra com sócio em comum. Mas não parece ser o caso, pois a segunda empresa já existia quando a primeira foi sancionada, certo? E não se analisa só isto. Precisa juntar provas da burla ou pelo menos vários indícios congruentes, e não meramente supor. Não se presume dolo.

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Entendido. Sim, ela já existia quando primeira foi sancionada.

Nesse caso administração municipal poderia realizar qual procedimento no sentido barrar a empresa ou pelo menos investigar essa empresa. A licitação está em fase recursal. Outras empresas entraram com intenção de recurso fazendo essa observação da alteração contratual realizada uma semana antes da abertura. Possivelmente o dono da empresa pensou: “Essa minha primeira empresa está impedida de licitar com município, mais tenho essa outra aqui, sou socio majoritário dela, edital prever consulta do órgão pra ver se tem algum impedimento, pela empresa nao, por ser socio majoritário sim, vou realizar mudança na participação societário vendendo minhas cotas pra outro socio, deixando de ser socio majoritário, assim nao fico impedido de participar e ganhar licitação”.

Lembrando no momento processo está em fase recursal.

@mardonioadm,

Mesmo antes de ele deixar de ser sócio majoritário da segunda empresa, ela não estava impedida de participar da licitação, e ainda não está.

Não existe previsão legal para impedir a segunda empresa de licitar nesse caso. Se fizerem isso sem amparo legal, ela judicializando certamente ganhará a causa contra a Administração.

O Ronaldo não está errado. Mas pode também não estar totalmente certo.

Não é - necessariamente - a abertura de uma NOVA empresa que configura abuso de personalidade jurídica para fugir de penalidade.

O abuso pode acontecer também com empresa já existente, que atue no mesmo ramo e tenha o mesmo sócio-administrador (de fato, não necessariamente de direito).

Cito caso que constará da 4a edição do livro “Como Combater a Corrupção em Licitações”, que está em elaboração:

No Mato Grosso, o Tribunal de Contas Estadual avaliou, por meio do Acórdão nº 508/2018, pregão para locação de veículos, no qual o órgão de controle julgou ter ocorrido abuso de personalidade jurídica e fraude para burlar sanção administrativa. A empresa X estava impedida de contratar com a Administração Pública Estadual, então, concorreu e venceu a empresa Y, da qual X era sócia, ambas atuando no mesmo ramo e com o mesmo sócio-administrador.

O TCEMT usou como fundamento precedentes do STJ, tendo em conta que “os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica não se impõem apenas aos sócios de direito da empresa; alcançam, também, eventuais sócios ocultos” (AgRg no REsp 152.033/RS).

Houve recomendação para melhorar os controles internos dos órgãos compradores, de modo a alertar quando empresas licitantes tivessem indícios de impedimento indireto.

Uma das pessoas responsabilizadas pelo TCEMT foi a pregoeira. Ela tentou se defender alegando que era nova na atividade e que um caso daquele tipo nunca tinha acontecido na repartição. O TCEMT não aceitou os argumentos, considerando que a fraude era facilmente perceptível, que houve alerta da situação em recurso no certame e que a pregoeira tinha o poder-dever de agir para evitar a fraude. Ela ignorou o recurso, simplesmente porque era intempestivo e, assim, na visão do Tribunal de Contas, contribuiu para a irregularidade, ofendendo o princípio da moralidade administrativa. Segundo o TCEMT, ela deveria ter levado a matéria ao conhecimento da autoridade competente para decidir sobre o tema, a fim de resguardar os interesses da Administração Pública.

O TCEMT anotou que se espera de agente público a atuação com zelo e que, diante de uma denúncia que aponte irregularidades, dê conhecimento à autoridade competente para que adote as providências cabíveis.

Vale também citar o ACÓRDÃO Nº 12120/2019-2C, no qual o TCU determinou a um jurisdicionado que abrisse processo administrativo de responsabilização para avaliar a aplicação da teoria da desconsideração expansiva da personalidade jurídica, tendo em vista a possível tentativa de burlar à sanção aplicada em desfavor da empresa, por meio da troca de sócios dias após a aplicação da penalidade de suspensão e impedimento de licitar, bem como da procuração outorgada posteriormente ao sócio que havia se retirado.

Mais importante do que a data de abertura da empresa é a possibilidade de confusão patrimonial. Afinal, as empresas X (impedida) e Y (com o mesmo sócio de X) atuam no mesmo ramo, mas são efetivamente distintas ou se confundem como uma só? Ambas atuam com clientes diferentes? Ambas disputam licitações? Ou Y só passou a atuar depois que X foi impedida? As duas empresas possuem sedes, estrutura, pessoal, estoque, operações próprias? Ou tudo é uma coisa só, variando apenas o CNPJ e o endereço?

Outra coisa muito importante é quem - de fato - opera, administra, comanda a empresa Y. O sócio majoritário se retirou de verdade ou foi só uma manobra formal para tentar fugir da punição? O novo sócio majoritário realmente está comandando a empresa?

Esse é um tema que tende a ser crescentemente explorado, considerando a NLL e a previsão expressa do art. 160 de admitir a extensão das penalidades aplicadas a uma empresa para atingir seus administradores e sócios com poderes de administração, a pessoa jurídica sucessora ou a empresa do mesmo ramo com relação de coligação ou controle, de fato ou de direito, com o sancionado, observados, em todos os casos, o contraditório, a ampla defesa e a obrigatoriedade de análise jurídica prévia.

Essa situação pode alcançar também os sócios minoritários quando ficar demonstrado que estes se valeram de forma abusiva da sociedade empresária para tomar parte nas práticas irregulares (Acórdão nº TCU n. 2252/2018-Plenário).

E vale ressaltar que os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica não alcançam apenas os sócios de direito, mas também os sócios ocultos porventura existentes, nos casos em que estes, embora exerçam de fato o comando da empresa, escondem-se por trás de terceiros laranjas instituídos apenas formalmente como sócios (Acórdãos TCU n. 1.891/2010, 2.589/2010, 2.696/2011, 2.804/2011, 2.226/2012, 2.589/2010, todos do Plenário).

Espero ter contribuído.

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Grato pela exposição sobre essa questão.

Mais importante do que a data de abertura da empresa é a possibilidade de confusão patrimonial. Afinal, as empresas X (impedida) e Y (com o mesmo sócio de X) atuam no mesmo ramo, mas são efetivamente distintas ou se confundem como uma só?

Sim, ambas empresas atuam no mesmo ramo. Como assim distintas? Creio que está mais para se confundem como uma só.

Ambas atuam com clientes diferentes? Ambas disputam licitações? Ou Y só passou a atuar depois que X foi impedida? As duas empresas possuem sedes, estrutura, pessoal, estoque, operações próprias? Ou tudo é uma coisa só, variando apenas o CNPJ e o endereço?

È algo a se verificar.

Processo esta em recurso, empresa concorrente manifestou intenção de recurso apontando esses indícios de fraude. Ainda vão mandar as peças recursais e empresa vai mandar sua defesa, contrarazão.

Nesse, caso, avaliação do mérito, so cabe autoridade competente.

Nessa fase o jurídico do município pode intervir para averiguar esses indícios? No caso, suspender certame, ou algo do tipo?

Estava refletindo sobre a posição do colega @ronaldocorrea e tentando entender então o motivo da alteração do contrato social e sua possível relação com a abertura da licitação.

Na minha visão, considerando toda a explicação do colega @FranklinBrasil, essa alteração pode ter sido uma tentativa de ocultar indícios de uma participação dissimulada da empresa sancionada. Na prática, o dono usaria a empresa não sancionada para participar da licitação e o patrimônio da empresa sancionada, caso vença, para executar o contrato (confusão patrimonial).

Contudo, com a alteração do contrato social, ele pode alegar, se vencer, que não é o dono de direito da empresa não sancionada (mas é de fato). Seria como uma “lavagem” do patrimônio sancionado para concorrer, de forma dissimulada, em nova licitação do mesmo munícipio no qual está impedido. Esse poderia ser, na minha visão, o motivo da manobra suspeita no contrato social.

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Prezado Franklin, obrigado por sempre apresentar esclarecimentos que muitos engrandecem os questionamentos aqui realizados. Aproveito a oportunidade de demonstrar interesse na aquisição do livro supracitado. Ao entrar no link o mesmo encontra-se esgotado.

Grato

Oi, Marcelo. É muito animador saber que podemos ser úteis nessa árdua jornada dos compradores públicos.

A 3a edição do livro ainda está disponível na Amazon, impresso e online. Estamos concluindo a 4a edição, que será praticamente um livro novo, totalmente dedicado à Nova Lei. Deve sair ainda este ano.

Grande abraço

Pois é @DiegoFGarcia.

Discordando do professor @ronaldocorrea, que tem um viés um tanto quanto mais “legalista”, eu suponho, e verificando posicionamentos do TCU acerca desse tema, não acho que basta tão somente a constatação de atendimento a estrita legalidade e cumprimento de requisitos apenas formais, amarrando-se o servidor só a literalidade da lei, pra atestar que algo está certo ou errado. Afinal, a legislação jamais conseguirá prever todos os “jeitinhos” e melindres que pessoas má intencionadas inventarão para burlar o espírito das normas. Inclusive, no acórdão 2.978/2013 - Plenário do TCU, já houve reconhecimento de que o primeiro cuidado tomado por quem tem intenção de fraudar, é atender os requisitos legais, na análise de uma situação parecida a deste tópico:

  1. Não obsta essa conclusão o fato de a situação dessas empresas não se enquadrar diretamente nas vedações antes mencionadas, pois, diante do contexto probatório, resta permitida a conclusão de que houve a intenção de burlar o espírito da norma. Até porque, consoante observado pela unidade técnica, ‘nesses casos, o primeiro cuidado tomado por quem frauda é atender aos requisitos legais. Logo, essas práticas ilícitas, regra geral, somente são constatadas através dos elementos fáticos a elas associadas.

Ou seja, nem sempre a aparente legalidade é suficiente. Concordo com o professor @FranklinBrasil , no sentido de que há relevantíssima importância em analisar mesmo o contexto fático como um todo. Lógico, nunca decidir nada apenas com base em presunção, mas no mínimo reunir um somatório de indícios que levam a uma conclusão acertada, razoável e lógica, norteada com base em outros princípios além da legalidade estrita (como da moralidade e isonomia).

Nessa situação, acho bem difícil a empresa ter a coragem (e também a cara de pau, convenhamos) de judicializar uma questão dessas e esperar ganhar, pois no fundo no fundo, eles sabem o que estão fazendo.

Eu creio que no seu ponto de não ser estritamente legalista nós concordemos e não o contrário, @Alok.

Não sei se me fiz entender, mas note que o ponto levantado inicialmente pelo colega @mardonioadm foi este. E por este motivo eu só analisei ele. Não significa que só cabe analisar a estrita legalidade. Não foram estas as minhas palavras, como você parece apontar.