O Ronaldo não está errado. Mas pode também não estar totalmente certo.
Não é - necessariamente - a abertura de uma NOVA empresa que configura abuso de personalidade jurídica para fugir de penalidade.
O abuso pode acontecer também com empresa já existente, que atue no mesmo ramo e tenha o mesmo sócio-administrador (de fato, não necessariamente de direito).
Cito caso que constará da 4a edição do livro “Como Combater a Corrupção em Licitações”, que está em elaboração:
No Mato Grosso, o Tribunal de Contas Estadual avaliou, por meio do Acórdão nº 508/2018, pregão para locação de veículos, no qual o órgão de controle julgou ter ocorrido abuso de personalidade jurídica e fraude para burlar sanção administrativa. A empresa X estava impedida de contratar com a Administração Pública Estadual, então, concorreu e venceu a empresa Y, da qual X era sócia, ambas atuando no mesmo ramo e com o mesmo sócio-administrador.
O TCEMT usou como fundamento precedentes do STJ, tendo em conta que “os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica não se impõem apenas aos sócios de direito da empresa; alcançam, também, eventuais sócios ocultos” (AgRg no REsp 152.033/RS).
Houve recomendação para melhorar os controles internos dos órgãos compradores, de modo a alertar quando empresas licitantes tivessem indícios de impedimento indireto.
Uma das pessoas responsabilizadas pelo TCEMT foi a pregoeira. Ela tentou se defender alegando que era nova na atividade e que um caso daquele tipo nunca tinha acontecido na repartição. O TCEMT não aceitou os argumentos, considerando que a fraude era facilmente perceptível, que houve alerta da situação em recurso no certame e que a pregoeira tinha o poder-dever de agir para evitar a fraude. Ela ignorou o recurso, simplesmente porque era intempestivo e, assim, na visão do Tribunal de Contas, contribuiu para a irregularidade, ofendendo o princípio da moralidade administrativa. Segundo o TCEMT, ela deveria ter levado a matéria ao conhecimento da autoridade competente para decidir sobre o tema, a fim de resguardar os interesses da Administração Pública.
O TCEMT anotou que se espera de agente público a atuação com zelo e que, diante de uma denúncia que aponte irregularidades, dê conhecimento à autoridade competente para que adote as providências cabíveis.
Vale também citar o ACÓRDÃO Nº 12120/2019-2C, no qual o TCU determinou a um jurisdicionado que abrisse processo administrativo de responsabilização para avaliar a aplicação da teoria da desconsideração expansiva da personalidade jurídica, tendo em vista a possível tentativa de burlar à sanção aplicada em desfavor da empresa, por meio da troca de sócios dias após a aplicação da penalidade de suspensão e impedimento de licitar, bem como da procuração outorgada posteriormente ao sócio que havia se retirado.
Mais importante do que a data de abertura da empresa é a possibilidade de confusão patrimonial. Afinal, as empresas X (impedida) e Y (com o mesmo sócio de X) atuam no mesmo ramo, mas são efetivamente distintas ou se confundem como uma só? Ambas atuam com clientes diferentes? Ambas disputam licitações? Ou Y só passou a atuar depois que X foi impedida? As duas empresas possuem sedes, estrutura, pessoal, estoque, operações próprias? Ou tudo é uma coisa só, variando apenas o CNPJ e o endereço?
Outra coisa muito importante é quem - de fato - opera, administra, comanda a empresa Y. O sócio majoritário se retirou de verdade ou foi só uma manobra formal para tentar fugir da punição? O novo sócio majoritário realmente está comandando a empresa?
Esse é um tema que tende a ser crescentemente explorado, considerando a NLL e a previsão expressa do art. 160 de admitir a extensão das penalidades aplicadas a uma empresa para atingir seus administradores e sócios com poderes de administração, a pessoa jurídica sucessora ou a empresa do mesmo ramo com relação de coligação ou controle, de fato ou de direito, com o sancionado, observados, em todos os casos, o contraditório, a ampla defesa e a obrigatoriedade de análise jurídica prévia.
Essa situação pode alcançar também os sócios minoritários quando ficar demonstrado que estes se valeram de forma abusiva da sociedade empresária para tomar parte nas práticas irregulares (Acórdão nº TCU n. 2252/2018-Plenário).
E vale ressaltar que os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica não alcançam apenas os sócios de direito, mas também os sócios ocultos porventura existentes, nos casos em que estes, embora exerçam de fato o comando da empresa, escondem-se por trás de terceiros laranjas instituídos apenas formalmente como sócios (Acórdãos TCU n. 1.891/2010, 2.589/2010, 2.696/2011, 2.804/2011, 2.226/2012, 2.589/2010, todos do Plenário).
Espero ter contribuído.