Regra para abrir processos para apurar ilícito contratual e aplicar sanções administrativas

Prezados,

Alguém teria conhecimento de uma norma, no âmbito de algum órgão, que estabeleça alguns “requisitos” para abertura de processo de sanção a empresas fornecedoras no sentido de evitar que se movimente a máquina pública para apurar ilícitos de menor relevância?

A Portaria MF nº 75/2012, traz uma ideia parecida para inscrição em dívida ativa e ingresso com cobrança judicial, mas não parece desobrigar a apuração em processo administrativo.

Sei que alguns órgãos têm força de trabalho para movimentar processos sancionatórios até em relação a empresas que declinam de lances em pregões eletrônicos, mas esta realidade está longe de ser a do órgão que atuo, então gostaria de canalizar melhor a força de trabalho empregada nessa atividade (que não diria estar escassa aqui, mas sim inexistente!) para casos realmente relevantes.

Agradeço antecipadamente.

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Arthur, acho o tema muito relevante. Assisti em uma palestra que a Administração pode criar instruções normativas sobre o assunto, uma vez que a legislação sobre o tema é bastante vaga. Em geral se inicia processo por conta da solicitação do fiscal do contrato, mas acho esse parâmetro muito fraco. Se o fiscal não solicitar providências, a Adm. tendo ciência de uma irregularidade não vai iniciar o processo sancionatório? Da mesma forma, tendo o fiscal pedido a abertura do processo e antes da apuração, constata-se que a situação é de pequena relevância, a Adm. vai continuar com o processo de sanção? Acho que todo ato adm. tem de possuir motivação e finalidade; quando o custo do processo é maior que o valor do descumprimento contratual, penso que a economicidade e a eficiência devem ser parâmetros importantes para a tomada de decisão.
Em todo caso, sugiro a leitura do Caderno de Logística de Sanção de Contratos - SIASG

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Colegas me permitam discordar, mas como antecipar o custo de uma sanção antes de se proceder a apuração. Acredito que há obrigação do gestor em apurar. Cito aqui um trecho do Manual de Sanções do TCU: https://portal.tcu.gov.br/data/files/1D/D4/FA/F1/B5AD4710D614BB47E18818A8/Manual%20de%20sancoes.pdf

A Lei nº 8.666, de 1993 traz vários dispositivos que impõem ao administrador público o dever de aplicar as sanções decorrentes de comportamentos que violem a Lei ou o contrato, dos quais é possível citar alguns importantes cuja base legal está disposta nos seguintes artigos, dentre outros:

✓ Art. 41. A administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada;
✓ Art. 76. A Administração rejeitará, no todo ou em parte, obra, serviço ou fornecimento executado em desacordo com o Contrato;
✓ Art. 77. A inexecução total ou parcial do Contrato enseja a sua rescisão, com as consequências contratuais e as previstas em lei ou regulamento;
✓ Art. 81. A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o Contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas;
✓ Art. 86. O atraso injustificado na execução do Contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no Contrato;
✓ Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato, a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contrato as seguintes sanções;

Até porque, se não atuarmos seriamente na fiscalização, esta mesma empresa continuará vendendo e descumprindo contratos com outros órgãos públicos.

Quando se pensa no custo processual, não podemos basearmos simplesmente em valores de multas, e, ainda, não podemos considerar simplesmente o trabalho que nosso órgão terá, devemos sim pensar como Administração Pública, como um todo. Se em uma apuração, por exemplo, se impõe uma sanção de impedimento de licitar a uma empresa, quantos órgãos serão beneficiados com esta decisão, e quanto a Administração Pública economizará com isso.

Acredito que possa ter sido esta a vontade do legislador.

Mais ainda, muitas empresas ainda tem a impressão que os órgãos públicos ainda são extremamente desorganizados no que tange as aquisições/contratações, e podem descumprir ou postergar o cumprimento dos contratos que nada vai lhes acontecer, porém somente realizando com afinco estas apurações, e que podemos exterminar estes aventureiros que só atrapalham a administração, ou até melhor, comprovar para aquela empresa e para muitas outras que os tempos são outros, ou ela se adequa a nova realidade ou não entre mais nas licitações.

E por fim, as vezes uma simples notificação de abertura de descumprimento, faz a empresa milagrosamente, atender o pedido da administração de maneira extremamente veloz, e com isso o seu problema agora virou solução. Por isso o Caderno de Logística citado acima pelo colega traz que “As sanções podem ter caráter preventivo, educativo, repressivo ou visar à reparação de danos pelos responsáveis que causem prejuízos ao erário público.”

Quanto a autorização, acredito que somente a autoridade contratante pode mandar instaurar o processo de descumprimento, no meu órgão, funciona desta maneira:

A Gestão do Contrato comunica à Autoridade Contratante os indícios de possível descumprimento obrigacional, e esta comunicação deve descrever de forma clara quais as não conformidades identificadas no curso da execução contratual.

A Autoridade Contratante, ao conhecer dos fatos ensejadores de descumprimento obrigacional, determina ou não a instauração do Processo Apuração de Descumprimento Obrigacional, encaminhando o feito a área competente para que adote as medidas necessárias à instrução do procedimento apuratório.

Como s processos de apuração deverão tramitar em autos próprios (já que a contratada poderá ter acesso integral aos autos), especialmente autuados para este fim, abrimos um processo relacionado (aqui usamos o SEI) e copiamos as principais peças atinentes a apuração e encaminhamos ao setor responsável.

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Rodrigo, eu discordo da sua posição.

Acho que é sim possível antecipar o custo de uma sanção antes de proceder a apuração com base em duas variáveis, que seriam o valor do contrato ou da proposta e o impacto que o fato gerou para as atividades da Administração.

O processo sancionatório é burocrático. Seguindo o trâmite estabelecido pelo Caderno de Logística de Sanção de Contratos da Secretaria de Gestão, conforme link encaminhado pelo colega @rudyflavio, teríamos primeiramente uma etapa preliminar de verificação feita com o Fiscal do Contrato. Após isso, persistindo a irregularidade, seria aberto o processo de sanção com a notificação da Contratada para apresentar defesa prévia. Feita a análise da defesa prévia com emissão de uma Nota Técnica, os autos são enviados para análise jurídica, para depois resultar na decisão sobre sancionar. Esse trâmite pode ser estendido, caso haja recursos.

Creio ser necessário ter critérios razoáveis para abrir um processo de sanção e eu me sinto desconfortável em ter que delimitar esses critérios com base somente na minha percepção subjetiva do caso. Não pode ficar a cargo somente do Fiscal do Contrato, porque também seria deveras subjetivo. Além disso, se assim o fosse, não necessitaria de uma outra autoridade decidir quanto a abertura do processo. Acho que abre um margem enorme para alegações de quebra de impessoalidade.

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Arthur, realmente o processo é trabalhoso e oneroso, mas se nós como fiscalizadores não aplicarmos as sanções devidas, estas empresas continuarão participando das licitações e atrapalhando as rotinas dos órgãos.

Cada caso é caso, se a empresa se manifesta em tempo hábil e solicita o cancelamento do empenho ou do contrato e o Gestor acha razoável tudo bem, mas se não for isso, imagine a situação, se licitaram é porque precisavam do material/serviço, e nenhuma sanção foi aplicada, fazem nova licitação e a mesma empresa ganha, você a desclassificaria sem uma decisão administrativa ou penalidade?

Se desclassificar, a empresa pode impetrar um mandado de segurança e parar todo o processo.

Se não desclassificar e ela não entregar novamente, o que acontece? Começa tudo de novo, um looping infinito?

Claro que são situações hipotéticas, mas que podem ocorrer. Mas assim, cada órgão pode pensar de uma forma, e respeito seu posicionamento, mesmo não concordando com ele, e por isso o debate é tão salutar, para nos fazer refletir, e manter nossas convicções ou até mesmo aprimorá-las.

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Oi rodrigo.araujo, achei bastante interessantes as suas colocações, e de fato elas são coerentes com as disposições do Caderno de Logística de Sanção de Contratos - SIASG. Todavia, pelo que tenho visto (não sei se é obrigatório, é uma dúvida que tenho), logo no início do processo de sanção já temos de indicar na notificação inicial a regra contratual possivelmente transgredida e a penalidade hipotética a ser aplicada, caso confirmada a infração, após regular procedimento administrativo com oferta do contraditório e da ampla defesa.
Se de fato precisamos iniciar o processo sancionatório com a previsão em abstrato da sanção a ser aplicável - enquadramento contratual - então temos como saber desde o início da abertura do processo o custo de eventual “condenação” da empresa.
Nesse sentido, não digo que o processo administrativo não deva ser aberto, apenas que antes da notificação inicial, tendo a irregularidade não acarretado prejuízos, seria possível sugerir o arquivamento, sem necessidade de notificar formalmente a contratada para apresentar defesa.
Ex.: após prorrogação contratual, a empresa atrasou a entrega da apólice de garantia, pois a que foi apresentada estava em desacordo com a circ. SUSEP 577/2018. Todavia, verifica-se que entre o encerramento da vigência da garantia anterior e a apresentação e aceitação definitiva da nova apólice, não houve lapso temporal descoberto pela garantia originária do contrato, nem ocorrências que ensejassem a abertura de sinistro ou expectativas de sinistros naquele período.
Nesse caso hipotético, creio necessário uma análise de custo/benefício (levando em consideração a quantidade de demandas dos servidores e a carência de pessoal para levar a cabo um processo de sanção).
O Caderno de Logística de Sanção de Contratos - SIASG, tal como você bem mencionou, é extremamente rígido e não mencionou qualquer análise de custo/benefício/eficiência/efetividade para respaldar o gestor a não abrir um processo sancionatório, sendo um “poder-dever” do mesmo a sua instauração.
Ocorre que, na situação do órgão específico onde trabalho, a quantidade de demandas contratuais é gigantesca, e é impossível dar andamento ao processo (do começo ao fim) em menos de 6 meses. Isso implica em aplicar advertência em contratos já encerrados (juridicamente possível, mas de finalidade contestável) ou prosseguir por anos em demandas para aplicar multas de 500 reais, dois mil reais etc.
Como o caderno é relativamente antigo e a nova realidade mostra ausência de reposição de servidores que se aposentaram, creio ser válida a ponderação do custo benefício para abertura de processo sancionatório quando questionável a sua efetividade, a exemplo da orientação da CGU pela possibilidade de não abertura de PAD em face ao servidor quando já identificada a prescrição da penalidade (cabendo a apuração daquele que deu causa à prescrição).
Acho válida a reflexão a respeito. Abraços!

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Rudy, a discussão é excelente e de maneira nenhuma quero ser aqui o dono da verdade, mas o próprio caderno de logística citado por você traz a obrigatoriedade de se apurar o caso.

“Dessa forma, o exame dos fatos deve ser sempre averiguado por intermédio da formalização de um processo administrativo, mesmo que diante de fortes indícios de autoria e materialidade ou mesmo quando se entender pela não ocorrência da infração, pois não cabe ao gestor um juízo pessoal e subjetivo sobre a situação, de modo que venha suprimir a abertura de procedimento.”

E discordo de você quanto a necessidade de indicar inicial e hipoteticamente a penalidade a ser aplicada na abertura do procedimento.

O primeiro passo é dado com a boa fiscalização realizada pelo servidor, além de ser obrigação, é uma garantia para aqueles que trabalham na área de licitação de que todo o cuidado que você teve no planejamento dará o resultado desejado. De nada adianta você se cercar de todos os cuidados nos atos preparatórios, se após concretizada a aquisição, houver desleixo na etapa pós aquisição.

Imagine que o fiscal faz seu trabalho com perfeição, faz todas as interações necessárias com a contratada, faz todos os registros, perde período considerável de seus dias realizando uma fiscalização eficiente, para simplesmente todo esse trabalho não dar em nada.

Coloque-se no lugar dele e reflita como se sentiria, estimulado, conformado ou decepcionado?

Como seria a próxima fiscalização, igual? Até poderia, mas não acho provável, pois está decisão jogou fora todo o trabalho dele, lembrando que a fiscalização é um dos elos da corrente, que se inicia na demanda e se encerra no pagamento.

Então, para abertura cabe ao fiscal informar quais as falhas identificadas, correlacionando-as ao edital/contrato/TR, apresentando provas deste fatos, a fim de subsidiar a autoridade na abertura ou não do procedimento, já que após informado dos fatos, fica a cargo dele decidir.

Acredito que o fiscal só chegou nesta condição pois já realizou suas tentativas e que elas foram em vão, logo chegando neste ponto, a menos que tenha havido algum erro de análise do fiscal, acredito que nenhuma autoridade assumirá está responsabilidade.

Autorizada a abertura, faz-se a comunicação a contratada das falhas identificadas, para que ela apresente sua defesa. Neste ponto, geralmente a empresa resolve o problema, a menos que ela não esteja nem aí, ou tenha apenas se aventurado na sua licitação. Também poderá trazer outras informações até aqui não conhecidas, que servirão para a análise do próximo passo.

Aí sim, diante da resolução ou da justificativa, passa-se a análise das informações e, só então, serão apontadas as penalidades aplicáveis a empresa ou até mesmo o arquivamento do processo, pois diferentemente da abertura, a aplicação da penalidade sim é discricionária, é claro tendo fundamentos alicercem esta decisão.

Aplicada a penalidade, há nova notificação, que poderá ser acatada ou questionada pela empresa, e então segue-se para nova análise administrativa, caso haja recurso, a qual acredito siga ritos diferentes em cada órgão, no meu há nova análise pelo superintendente, decisão está que deverá ser analisada posteriormente pelo Diretor de Administração para ratificação ou retificação.

Em resumo, é chato, complexo, demanda tempo, etc, mas vejo como um mal necessário.

Complemento meu raciocínio com a recente Instrução Normativa 1/2020 que estabelece critérios de dosimetria na aplicação da penalidade de impedimento de licitar e contratar no âmbito da Presidência da República.

A IN traz no ART. 4:

Art. 4º Fica impedido do direito de licitar e contratar com a União e descredenciado do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF:

III - pelo período de 12 (doze) meses, aquele que falhar na execução do contrato;

Então o que penso é que a maior pena nunca serão as a multas e sim o impedimento de participar de outros certames, a mancha em sua reputação, e isto não tem como ninguém mensurar.

Então, a menos que no órgão exista normas que contrariem este meu entendimento, não acho prudente limitar-se a esquecer as falhas das contratadas simplesmente pelo valor ou trabalho que o procedimento dará, agora se meu gestor achar que está justificativa é suficiente, pode ele assim decidir, mas está hipótese não seria em hipótese alguma sugerida por mim.

Caderno de Logística:
"Dessa forma, diante de indícios de infração administrativa do licitante ou
contratado, a não autuação injustificada de processo administrativo específico poderá
resultar na aplicação de sanções a seus gestores, conforme previsto no art. 82 da Lei nº
8.666, de 1993, bem como representação por parte TCU com supedâneo no art. 71, inciso
XI, da Constituição Federal c/c art. 1º, inciso VIII, da Lei nº 8.443, de 1992. "

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Meus caríssimos nelquianos, fico imensamente feliz com a qualidade e consistência dos debates que travamos. Há mais de dez anos, quando fundamos a comunidade, era exatamente isso que sonhávamos.

Sobre o tema, tem a ver com custos de transação, custos e benefícios dos controles, racionalidade.

Uma referência pode ser o Termo de Ajustamento de Conduta que existe hoje no processo disciplinar do governo federal. Para condutas de baixo poder ofensivo, puníveis com advertência ou suspensão, a pessoa pode assinar um TAC, em certas condições. Talvez, em responsabilização de empresas, a depender do que estamos tratando, pudéssemos ter um mecanismo similar.

O fato é que seria muito mais simples se pudéssemos processar a responsabilização de modo eletrônico, do mesmo jeito que processamos a licitação. Isso, a meu ver, ajudaria muito.

Franklin, pode indicar a norma que rege o TAC nos contratos firmados pela administração pública.

Não conheço TAC em contratos, Rodrigo. Me referi ao TAC em casos de processos disciplinares de servidores federais, que hoje é regulado pela INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 4, DE 21 DE FEVEREIRO DE 2020, da CGU.

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Entendi, achei que já existia, mas talvez fosse uma ideia que a Seges pudesse desenvolver, e tornar estes processos de descumprimento mais simplificados.