RE 1298647, do STF, e a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados

Prezados, o seguinte julgado do STF, do dia 13/02, com repercussão geral, trouxe algumas peculiaridades interessantes. Um excerto que me surpreendeu bastante foi o seguinte: “Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá: (i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei nº 6.019/1974”. Gostaria que os especialistas, por favor, me esclarecessem o seguinte: qual o impacto prático disto em nossas futuras licitações de serviços terceirizados (especialmente em nossos editais futuros)?
Segue abaixo o link e o julgado na integra:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6048634

Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 1.118 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para, reformando o acórdão recorrido, afastar a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin e Dias Toffoli. Em seguida, por maioria, foi fixada a seguinte tese: “1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ela invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público. 2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, enviada pelo trabalhador, sindicato, Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo. 3. Constitui responsabilidade da Administração Pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º, da Lei nº 6.019/1974. 4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá: (i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei nº 6.019/1974; e (ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da Lei nº 14.133/2021, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior”, nos termos do voto do Relator, vencidos parcialmente os Ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Edson Fachin e Dias Toffoli. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia, que já havia proferido voto em assentada anterior. Impedido o Ministro Luiz Fux. Presidência do Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 13.2.2025.

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Fala Pedro! Cara, essas questões envolvendo entendimentos jurídicos são sempre complicadas por questões óbvias. Aqui não sou especialista, e independente das respostas aqui sempre te aconselho a se amparar na sua consultoria jurídica… mas já conversamos sobre isso aqui no órgão, e entendemos que essa decisão do STF meio que mudou as regras do jogo nas licitações de terceirização. Agora, os editais vão precisar incluir uma exigência clara: as empresas terceirizadas têm que provar que têm dinheiro suficiente no caixa (capital social) para bancar o número de funcionários que vão empregar.

Na prática, isso significa que as empresas menores ou mais enxutas podem ser barradas, já que o capital precisa ser proporcional à folha salarial – tipo ter grana pra pagar pelo menos três meses de salário da galera. Além disso, o pagamento pelo serviço só rola se a empresa mostrar que tá em dia com os direitos trabalhistas do mês anterior. Ou seja, os órgãos públicos vão virar uns “fiscais de plantão”, checando holerite e comprovante de FGTS antes de liberar a grana.

O lado bom é que isso reduz o risco de o governo ter que pagar a conta se a empresa falhar (como acontecia antes), mas o preço pode ser salgado. Com menos empresas participando das licitações – principalmente as pequenas –, a concorrência diminui e os preços tendem a subir. Fora a burocracia extra: preparar toda a documentação contábil e os comprovantes mensais vai exigir mais tempo (e paciência) de todo mundo. No fim, a ideia é evitar processos trabalhistas contra o Estado, mas o tiro pode sair pela culatra se os editais não forem bem desenhados pra não estrangular as empresas sérias que não são gigantes.

Espero ter ajudado de alguma forma… :+1:

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O que parece “inovador” é exigir o CS integralizado, porque, em tese, os editais de terceirização, pelo menos os do Executivo Federal, tendem a exigir CS ou PL proporcional ao valor estimado do contrato, o que acaba, de certa forma, sendo similar aos parâmetros da Lei 6.019/1974.

Ali se exige

a) até dez empregados - R$ 10.000
b) 10 a 20 empregados - R$ 25.000
c) 21 a 50 empregados - R$ 45.000
d) 51 a 100 empregados - R$ 100.000
e) mais de 100 empregados - R$ 250.000

Numa licitação, digamos, de 100 postos de trabalho, com preço médio unitário de R$ 4.000 por posto, teríamos R$ 4,8 milhões por ano. Isso levaria a uma exigência padrão de CS mínimo (10%) de R$ 480 mil. Bem maior que o mínimo exigido pela lei citada pelo STF

Numa licitação para 10 postos, com os mesmos parâmetros, teríamos um edital exigindo CS mínimo de R$ 48 mil, também maior do que o piso da lei 6.019/1974.

Me parece que, nesse quesito específico, o que poderá mudar é a opção obrigatória pelo Capital Social em vez do Patrimônio Líquido como critério de habilitação, além de ser obrigatório, pela interpretação do STF, a integralização do capital.

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Lembrando que além do CS mínimo de 10% do valor estimado anual da contratação, os editais de terceirização - do Executivo Federal, pelo menos - costumam exigir Capital Circulante Líquido mínimo equivalente a 2 meses do valor estimado anual e ainda Patrimônio Líquido mínimo proporcional ao total de contratos vigentes da empresa licitante.

Os editais tendem a ser, portanto, mais rigorosos na habilitação do que o critério mencionado pelo STF.

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Leonardo, cara, muito obrigado pela resposta, com certeza ajudou sim. Franklin Brasil, obrigado também, você foi muito sábio e ponderado como sempre.
Mas ainda estou preocupado com alguns pontos e repercussões dessa orientação.
Pra começar, e adiantando que meu direito constitucional e processual está muito enferrujado, entendo que a decisão proferida em repercussão geral, por força do 927 do novo CPC, vincula seus efeitos ao menos aos órgãos do Poder Judiciário, que, no exercício da competência jurisdicional, deverão obrigatoriamente seguir o entendimento nela firmado. Apesar de saber que o Tribunal de Contas não é um órgão do Poder Judiciário, mas do Poder Legislativo, entendo que é a decisão do judiciário que faz coisa julgada, então de qualquer maneira, mesmo não se tratando de Súmula Vinculante, faz sentido a Administração se veja obrigada se adequar a essa decisão para evitar problemas futuros, correto?
Se é assim, teremos que acatar o mandamento jurisprudencial que criou a obrigação de que a Administração exija da contratada a comprovação de capital social integralizado. Ora, o TCE/SP, por exemplo, sempre facultou a exigência de capital integralizado, porém, salvo engano, o TCU sempre andou na contramão desta tese (TCU, Acórdão nº 138/2024, do Plenário, Rel. Min. Vital do Rêgo, j. em 07.02.2024.), correto? Quer dizer que o TCU terá que rever seu entendimento?
Além disso, espero estar equivocado, mas me parece que o mencionado artigo Art. 4o-B, cuja forma deve ser obedecida de acordo com o julgado do STF, traz parâmetros de capital mínimo baseados no quantitativo de empregados da empresa, não no quantitativo contratado no torneio licitatório.
Art. 4o-B. São requisitos para o funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros: (…)
III - capital social compatível com o número de empregados, observando-se os seguintes parâmetros:
a) empresas com até dez empregados - capital mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais); (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)
(…)
e) empresas com mais de cem empregados - capital mínimo de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais).
Infelizmente, se for assim, me parece que esses parâmetros nem sempre serão necessariamente compatíveis com os parâmetros do § 4º, do art. 69, da 14.133, ou estou errado? E ainda que sejam, como formular a aplicação prática dessa sistemática, especialmente frente as restrições estipuladas no caput do art. 69? Quero dizer, como prever isso em edital e/ou em que momento processual (e como) verificar o adimplemento dessas condições?
Pessoal, se falei alguma bobagem, por favor, fiquem à vontade para me corrigir. Sou novo e ainda estou aprendendo. Um abraço e obrigado pela ajuda.

Olá, @PEDRO_HENRIQUE_DOS_S

Você está correto em levantar a dúvida. Algum ajuste será necessário nas normas e/ou orientações e/ou entendimentos sobre critérios de habilitação em contratações DEMO, levando em conta o julgado do STF.

Enxergo outra possibilidade também. Em vez de exigir o CS mínimo como habilitação, deixar a cobrança para a execução contratual. Afinal, o texto do STF diz

“4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá: (i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei nº 6.019/1974”

Isso pode gerar polêmica, tal como está acontecendo com o CADIN (vide esse tópico do Nelca).

Creio que seria saudável questionar formalmente a Seges sobre padronização de procedimentos a serem adotados em função desse julgado do STF.