Caro Kleber,
Os colegas que enviaram mensagens já trouxeram aspectos relevantes sobre a questão colocada por você, incluindo a IN - Seges/ME 65/2021, art. 5º, inciso II.
Reforçando que os preços oferecidos pelos licitantes em uma licitação não configuram preços contratados, como consta do dispositivo citado.
Lembrando que os preços não vencedores poderiam não ter sido honrados caso fossem vencedores (e.g. o fornecedor poderia desistir antes de assinar o contrato).
Ofereço alguns aspectos adicionais:
I. Importância do orçamento estimado
O orçamento estimado é um elemento crítico para a contratação, que inclui a definição das quantidades dos itens a contratar e as respectivas estimativas de preços unitários, que servem para calcular o valor global da contratação.
Se esse orçamento for mal elaborado, pode levar à violação de vários princípios do direito administrativo, tais como: eficiência, economicidade, julgamento objetivo, seleção da proposta mais vantajosa e legalidade.
Adicionalmente, o orçamento estimado é usado em várias etapas do processo licitatório, tais como:
a) verificação da viabilidade da licitação no âmbito do ETP, o que pode levar a contratação inviável, com o consequente desperdício de tempo, esforço e recursos financeiros da organização pública;
b) adequação orçamentária, o que pode levar à alocação excessiva de recursos financeiros (se o preço vencedor for muito menor que o estimado), que, se combinar com a ausência de tempo hábil para utilizar os recursos excedentes em outras contratações (e.g. se a licitação se encerrar no fim do ano), pode resultar na não utilização desses recursos;
c) estabelecimento de critérios de habilitação referentes ao valor do capital mínimo exigido ou do patrimônio líquido, ou ainda da garantia de execução, os quais podem limitar a competição;
d) análise da aceitabilidade de preços, o que pode levar à aceitação de preços inexequíveis ou com sobrepreço, este último podendo ter como consequência o superfaturamento, inclusive nas contratações diretas; e
e) negociação do preço ofertado com o licitante provisoriamente vencedor ou com o fornecedor a ser contratado de forma direta, o que pode levar a sobrepreço e superfaturamento.
Depreende-se do exposto que, sem um orçamento estimado adequado, a organização pública fica exposta a diversos riscos, incluindo sobrepreço e superfaturamento, que pode levar à responsabilização dos gestores envolvidos.
II. Amostragem de preços
A pesquisa de preços é uma das etapas da elaboração do orçamento estimado e tem como objetivo chegar a uma estimativa do preço praticado no nicho de mercado do objeto a ser contratado.
Deve levar em conta preços da maior quantidade de fontes possível e a maior quantidade de preços possível.
Quando se usa somente os preços ofertados em uma licitação, há um alto risco de não se chegar a uma estimativa confiável do preço praticado no nicho de mercado do objeto a contratar.
Por isso que a jurisprudência mais recente do TCU tem falado reiteradamente em uso de “cesta de preços aceitáveis”.
Vi uma situação em que um órgão usou a média ou mediana de preços ofertados em uma licitação e depois usou a mesma fórmula de cálculo para outras licitações.
Ao final, fez a média das médias ou mediana das medianas dessas licitações.
Nesse caso concreto, se o órgão tivesse usado somente os valores finais de cada licitação para fazer a média ou a mediana, teria chegado a um valor estimado mais baixo.
Ainda vi uma situação ainda mais absurda, em que o órgão usou os preços ofertados antes da fase de lances, chegando a um valor ainda mais distorcido.
Lembrando que os preços a considerar na pesquisa de preços devem ser de objetos similares.
Nas situações citadas, pelo que me lembro, havia preços de produtos com especificações que levavam a preços maiores, pois eram equipamentos mais sofisticados.
Assim, esses preços mais altos distorciam o cálculo final, pois eram preços de outros nichos de mercado que praticavam preços mais elevados, por serem referentes a equipamentos mais sofisticados.
III. Produtos “comoditizados"
Não sei qual razão levou para seu órgão considerar preços de uma mesma licitação.
Se o objeto em tela for comum e altamente disseminado, parece fazer ainda menos sentido usar somente esses valores internos do pregão citado, pois há diversos preços efetivamente contratados que podem ser obtidos por inúmeras fontes.
Tampouco faz sentido usar somente o mínimo de três preços, pois dificilmente se chegará a um valor fidedigno do preço praticado em determinado nicho de mercado.
Lembrando que métodos de cálculo como a “média saneada” leva ao descarte de preços dissonantes, de modo a se chegar a uma amostra de preços mais homogênea.
Se forem usados somente três em alguma fórmula de cálculo e eles forem díspares, ao descartar preços, não se chega nem a uma amostra que pode ser altamente restrita, que é a amostra de três preços de um bem comum altamente disseminado.
Enfim, a elaboração do orçamento estimado é uma atividade que envolve diversas etapas e é afetada por várias etapas anteriores (e.g. estabelecimento da necessidade a ser atendida, que leva à definição das especificações técnicas) e afeta várias etapas posteriores, como exposto anteriormente.
Dada a importância do orçamento estimado e os riscos envolvidos, sua elaboração deve ver executada com muito cuidado e por profissionais que conheçam do assunto.
Na Nota Técnica - AudTI/TCU 8/2023, os aspectos citados são detalhados, junto com muitos outros. Talvez seja de utilidade para o seu órgão ou entidade.
Atenciosamente,
Carlos Mamede