Material de Higiene em Licitação de Serviço de Limpeza e Conservação

Faz tempo que quero tratar do tema da compra separada de materiais de higiene pessoal, em vez de inserida no contrato de limpeza. É um assunto que me preocupa bastante.

Preocupa porque pode gerar um enorme desperdício de recursos públicos. Isso é péssimo. Tenho alergia braba a desperdício.

Preocupa também porque desconsidera elementos fundamentais das compras públicas, em especial, os custos de transação, o custo de fazer negócios.
E isso diverge do comando do art. 14 do DL 200/67 de racionalidade administrativa e custo-benefício do controle.

Eu continuaria licitando tudo junto, serviço de limpeza COM fornecimento de material de higiene. E por resultados.

Eu justificaria a opção de forma robusta, apontando que licitar separado gera mais custos administrativos, que promovem prejuízo. E isso não é bom.

Comprar material em separado implica em planejar, licitar, contratar, gerenciar, fiscalizar, pagar e punir em separado. E isso é caro.

Para fundamentar a opção por incluir material de higiene no serviço de limpeza, eu usaria alguns elementos:

  1. O custo de fazer a licitação separada para materiais, de modo geral, inviabiliza a lógica da separação.

Tomando por referência os valores apontados no ETP de Apoio Administrativo Centralizado da Central de Compras, disponível em Pregão Eletrônico nº 10/2020 - Central de Compras (UASG 201057)) o custo administrativo de fazer um pregão eletrônico e pregão eletrônico com utilização do SRP, atualizados pelo INPC até dezembro de 2021, alcançam R$ 49.407,90 e R$ 76.833,83, respectivamente. Já estamos em março, então, os custos são ainda maiores.

  1. Existem os custos de gerenciar um contrato separado

Para comprar material separado, além dos custos de licitar, existem custos administrativos de gerenciar, fiscalizar, pagar, receber, estocar, distribuir. Podem existir custos de conduzir punição em caso de descumprimentos contratuais. Existem os custos associados ao controle dos riscos de se responsabilizar pelos materiais que serão utilizados nos banheiros.
Não há boas estimativas sobre isso. Mas a Central de Compras fundamentou o projeto do Almoxarifado Virtual com base nessa lógica.

No Relatório de Diagnóstico do Almoxarifado Virtual, da Central de Compras, disponível AQUI, pode-se verificar que o objetivo do projeto era revisar o modelo de compra e gestão de material de expediente, que vigorava à época, em que os materiais eram adquiridos e gerenciados de modo separado. Um dos fundamentos citados foi o alto custo do modelo de operação própria, representado por investimentos, armazenagem, distribuição e perdas.

Como referencial teórico, foi citado o modelo da Matriz de Kraljic, formulado por Peter Kraljic em 1983, voltado para a abordagem estratégica da gestão de suprimentos. A metodologia propõe quatro grupos de itens de suprimentos. Um deles é o de itens não-críticos, de baixa complexidade, baixo risco de fornecimento e baixa importância estratégica para os objetivos da organização. Materiais de expediente e de higiene pessoal se encaixam nessa categoria. A teoria propõe que esses elementos tenham processos de compras o mais simples possível.

Em relação aos custos de logística, o projeto cita que a Administração Pública Federal aloca recursos humanos na atividade de gestão de material de consumo, em especial na função de almoxarifado, para recebimento, triagem, armazenamento, separação e distribuição . Também há custos com a área utilizada para armazenamento, o que envolve despesas com a estrutura física do almoxarifado e do estoque, como energia, segurança, seguros e manutenção.

Já os custos associados à gestão do contrato, envolvem diversas atividades: contato com fornecedor, assinatura, publicação, designação de responsáveis, controle de garantias, lançamentos em sistemas, empenho, fiscalização, liquidação, pagamento, alterações, reajustes, prorrogações, sanções.

  1. Riscos

O gerenciamento de riscos é processo obrigatório para a Adm Pública federal, por conta da IN CGU/MP n. 01/2016 e Decreto 9203/2017. E agora, se tornou obrigatório para TODAS as compras públicas regidas pela Lei 14.133/2021, que trouxe a exigência explicita no Parágrafo Único do Artigo 11. A lei ainda deixou claro que as decisões em compras devem promover eficiência, efetividade e eficácia nas contratações.

Aliás, vale citar que a nova Lei Geral de Compras Públicas trouxe um conceito ampliado de objetivo da contratação, de forma a obter o resultado mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto.

Não basta, portanto, buscar o menor preço em uma proposta. Deve-se levar em conta o ciclo de vida do objeto, incluindo sua obtenção, recebimento, estoque, armazenamento, distribuição, descarte. E também deve-se levar em conta a melhor solução para uma necessidade , como define a lei ao explicitar para que serve um Estudo Técnico Preliminar.

Em termos de gestão de riscos, elemento importante a considerar na escolha da solução, o modelo de compra de materiais de higiene separados do serviço de limpeza pode representar riscos adicionais, relacionados, por exemplo, com: desabastecimento, estocagem, perdas por roubo, desvio ou dano ao estoque e desvios de consumo.

Se uma licitação para compra do material atrasar, por motivos que incluem: dificuldades de planejamento, impugnações, julgamentos, recursos, pode faltar material.
Se a empresa contratada deixar de entregar o material, pode haver desabastecimento.
Se o controle de estoque não for adequado e seguro o suficiente, pode haver desvio ou roubo.
Se o material armazenado sofrer avarias, pode haver perdas.
Se o controle de distribuição não for adequado, pode haver controvérsias e disputas com a prestadora do serviço de limpeza
Se o material distribuído não for controlado, empregados da empresa prestadora de serviço podem desviá-lo
Se houver desvio do material por usuários da limpeza, o risco será da contratante, que é responsável por prover o material em separado.

Vale ressaltar que, não sendo responsável por fornecer o material, a prestadora de serviço não precisa fazer qualquer esforço no sentido de racionalizar o consumo. Pode até se apropriar do material adquirido pelo contratante. Esse modelo de compra separada de materiais exige, portanto, grande esforço de fiscalização e custos com processo de licitação, contratação, armazenamento, controle e pagamento dos produtos.

É claro que um contrato de serviço de limpeza COM materiais também tem riscos. Mas nenhum desses citados.

  1. Modelos de referência

Existem diversos modelos de contratação que incorporam materiais de higiene ao serviço de limpeza. Citam-se alguns:

4.1 TCU (PE 43-2020, UASG 30001):

O TCU tinha, até então, os materiais incorporados ao serviço de limpeza, mas pagavam por ressarcimento, o que exigia controle rigoroso do que era entregue, recebido e consumido. O risco de perdas e desvios fica todo com a contratante nesse modelo de ressarcimento.

O ETP do novo modelo de contratação trouxe a seguinte fundamentação para pagar apenas por desempenho:

Já para materiais e insumos … atualmente se prevê pagamento por demanda , ou seja, apenas das quantidades efetivamente consumidas. Ocorre que a variação nas quantidades de itens ao longo da execução do contrato é pequena (TC 036.736/2018-0), de forma que não se mostra adequado continuar a despender recursos humanos para o minucioso controle diário dessas quantidades.

Ademais, é esperado que as licitantes tenham liberdade para propor a aplicação de materiais de limpeza mais eficientes, que reduzam o consumo e mesmo o volume de aplicação de mão de obra, e somente é possível comparar essas propostas se houver liberdade para que as licitantes definam as quantidades e mesmo a variedade de insumos – assegurando-se, evidentemente, que somente poderão ser utilizados materiais de qualidade superior aos referenciados, mediante prévia aceitação por parte da Fiscalização.

Não é demais relembrar: o modelo de contratação ora apresentado tem como pilar o foco no resultado, na aferição da qualidade da limpeza e da jardinagem, e não nos meios que a Contratada vai utilizar para essa finalidade. Assim, a aplicação de técnicas, equipamentos, produtos e processos de trabalho mais eficientes é fortemente estimulada, na medida em que possibilita uma redução dos custos para a Administração, sem perda de qualidade

4.2. Central de Compras (PE 01/2020, UASG 201057)
Os documentos dessa contratação estão disponíveis em:

No piloto de limpeza da Central de Compras, o material está embutido no serviço de limpeza, com preço fixo. O contrato é gerenciado por instrumento de medição de resultado.

No Relatório de Estratégia do projeto (https://sei.economia.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?dXxAxlDxfg5iXrvzdwJT8wIQgNYTeEkpDDNZSgrLzVkD_bbvaNvl93SLs2h0Le10lSJuysYmqj721RKDu7P74Fn256WElSFonEOHeLpAQsavr4O8wAwa2vbf7w2mWMg6), pode-se ler a fundamentação para a decisão:

As propostas para o novo modelo de contratação contemplam os seguintes aspectos.
a. Deixar de estabelecer no edital de licitação: (…)
parâmetros rígidos sobre quantidades e tipos de insumos necessários para a execução do serviço, tendo em vista que a definição rígida de materiais e equipamentos para execução do serviço exige especialização que, atualmente, não é de domínio das unidades da APF e traz para a contratante custos relacionados à estimativa e ao controle de insumos.

  1. Conclusão

Sintetizando, considerando os custos administrativos de licitar e gerenciar a compra de material em separado, levando em consideração os riscos e os modelos de referência, a preocupação com uma solução mais vantajosa para a Administração Pública, tendo em conta, inclusive, a teoria da estratégica de suprimento da Matriz de Kraljic, o ciclo de vida do objeto, em homenagem e, sobretudo, cumprimento ao comando da racionalidade administrativa emanado do art. 14 do Decreto-Lei n. 200/67, mirando no princípio constitucional da eficiência, os materiais de higiene pessoal devem ser integrados ao serviço de limpeza.

Vale reforçar, ainda, a lógica de integração de serviços de Gestão da Ocupação, prevista no art. 7 da Lei 14.011/2020, que permite contratar “a prestação, em um único contrato , de serviços de gerenciamento e manutenção de imóvel, incluído o fornecimento dos equipamentos, materiais e outros serviços necessários ao uso do imóvel pela administração pública, por escopo ou continuados”.

Portanto, existe permissão legal explícita para que um contrato de limpeza inclua o fornecimento de equipamentos e materiais.

Espero ter contribuído.

Franklin Brasil

Autor de Como Combater o Desperdício no Setor Público

Autor de Como Combater a Corrupção em Licitações

Autor de Preço de referência em compras públicas

11 curtidas