Licitação para aquisição de carro zero km adaptado para ambulância de simples remoção, baseada na Lei Ferrari. O uso da Lei Ferrari pode trazer problemas para a administração??
José,
A Lei Ferrari rege o funcionamento das concessionárias e não me parece ser adequado entender que ela rege também as licitações.
O conceito de “carro novo” não é definido na lei, cabendo interpretação. O ponto da lei ao qual eu me refiro é este:
Art . 12. O concessionário só poderá realizar a venda de veículos automotores novos diretamente a consumidor, vedada a comercialização para fins de revenda.
Eu não entendo que aí está dizendo que só concessionária pode vender carro novo direto para o consumidor. O que consta aí é que ela só pode vender para consumidor final e não para distribuidor. É uma limitação imposta à concessionária e não à Administração quando vai comprar carro novo.
Prova disto é que nas licitações de veículos feitas pela PF, com valor estimado de milhões de reais, nenhuma concessionária costuma ganhar, mas sim as próprias fabricantes.
Se a interpretação correta da Lei Ferrari fosse no sentido de que somente concessionária pode vender carro novo para consumidor final, as fabricantes não poderiam participar de licitação, né?
Boa tarde Ronaldo, mas terei que discordar de vc, por mais que a Lei Ferrari regulamente a concessão entre Fabricantes e Concessionárias, que deixa claro já no seu art. 1º, que a distribuição de veículos automotores será realizada somente por produtores e distribuidores de veículos através de contrato de concessão, onde o § 1º alínea “a” do art. 2º define quem são esses agentes, devemos lembrar que essa Lei é de 1979, quando não haviam empresas não concessionárias que revendiam veículos “zero quilometro”, pelo simples fato do entendimento de que, veículo zero quilometro se comprava em Concessionária Autorizada da marca da sua preferência e em licitações não era diferente somente Concessionárias Autorizadas e Fabricantes participavam do certame. Devemos lembrar também que se trata de uma Lei Especial e como tal deverá ser considerada, conforme art. 30, inciso IV da Lei 8.666/93, não podendo aplicar normas subsidiárias do direito comum. Além do que, a Lei Ferrari não pode ser interpretada isoladamente devemos aplicar, neste caso, a Teoria do Diálogo das Fontes.
Concomitante a Lei Ferrari devemos analisar a nossa Carta Magna que no Parágrafo Único do seu art. 170 é taxativo quando assegura o direito de se exercer qualquer atividade econômica, mas com ressalva, desde que essa atividade econômica não esteja prevista em Lei, bem como, devemos analisar a Lei Federal nº 9.503/1997 que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, o art. 120 desta Lei diz que, todo veículo deverá ter seu registro e licenciamento no município de domicílio do seu proprietário, no caso de licitação, o proprietário é o órgão público e será exigido para tal, a nota fiscal do fabricante ou revendedor, ou ainda, documento equivalente emitido por autoridade competente, lembrando novamente que esta Lei é de 1997, quando as empresas não concessionárias ainda não revendiam veículos supostamente zero quilometro, então o revendedor acima mencionado se refere a um revendedor autorizado, outra regulamentação que devemos considerar é o que diz o subitem 2.12 do Anexo da Deliberação nº 64/05/2008 do Contran que considera “ VEÍCULO NOVO – veículo de tração, de carga e transporte coletivo de passageiros, reboque e semi-reboque, antes do seu registro e licenciamento.”
Foi a partir da LC 123/2006, que empresas não concessionárias e tão pouco fabricantes, começaram a participar de licitações que exige em edital, o fornecimento de veículos zero quilometro, (fabricantes e Concessionárias Autorizadas por sua própria condição jurídica, não podem ser ME/EPP).
Para que as empresas não concessionárias ou não fabricantes possam fornecer veículos para órgão públicos adquiridos através de licitação, oferecem a vantagem de entregar o veículo já emplacado a Administração Pública sem qualquer ônus, para esconder o fato de que o veículo já fora licenciado anteriormente e no documento do veículo já existir um proprietário anterior, desta forma, o fornecimento de veículo nessa condição passa a ser um veículo seminovo, descaracterizando o conceito jurídico de veículo zero quilometro. E o que é uma licitação, senão um ato formal balizado por Leis?
O mais grave nessas licitações, sem que o órgão perceba que é grave, é quando o edital exige que o órgão público seja o primeiro proprietário do veículo, em outras palavras, o edital exige que o 1º emplacamento seja em nome do órgão licitante, a partir dessa exigência em edital, não há limites para empresas não concessionárias ou fabricantes burlarem Leis para se beneficiarem através da Lei 123/2006, fornecendo veículos seminovos para órgão públicos que exigem em edital veículos zero quilometro.
Se fosse contar aqui todas as burlas cometidas por essas empresas, essa minha resposta teria umas 10 páginas, mas vale indicar a leitura do Convênio ICMS 67/18 do Confaz, a Portaria Detran nº 525 de 24/07/2019 e as investigações que foram realizadas pela Polícia Civil de Goiás, e ainda, sobre a fiscalização efetuada pelo Sefaz de Mato Grosso.
As licitações que têm por objeto a aquisição de veículos zero quilometro não podem ser vistas através de um pince-nez, mas sim, através de um holofote.