Aceitação de objeto inferior no pregão

Colegas, vejam se conseguem me ajudar numa situação ocorrida em uma unidade do meu Órgão que estou precisando ajudar a resolver.
Foi realizado um pregão em janeiro deste ano, do tipo SRP, e o pregoeiro adjudicou um produto com especificações inferiores as exigências do TR, com valor exatamente igual ao referencial. Tanto a especificação do produto ofertado no sistema pela empresa quando na proposta formalizada constam o objeto inferior, ou seja, passou batido pelo pregoeiro e pela equipe.
O pregão foi homologado, foram assinadas as atas em abril e em agosto os produtos foram solicitados pelo setor demandante.
Ocorre que somente quando foram entregues os produtos que o setor demandante se deu conta da situação.
Agora estão lá com os produtos já entregues e o fornecedor se recusa a recolher os mesmos pois eles condizem com a proposta que ele ofereceu.
Alguma sugestão para resolver essa treta?

@Mateus_Henrique,

De forma alguma o fornecedor pode se beneficiar do erro do pregoeiro. Ele fez a proposta sabendo que teria que atender ao edital, e não pode alegar que se livrou de tal dever ao ter sua proposta indevidamente aceita pelo agente público.

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Nesse momento então, é recusar o recebimento do objeto e anular a ata?

@Mateus_Henrique,

O ato de aceitar uma proposta que não atende ao edital caracteriza ilegalidade, pois feriu a vinculação ao edital. Tem que anular este ato e, em decorrência, desfazer todos os demais atos a partir daí.

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@Mateus_Henrique é preciso considerar alguns fatores neste caso. Concordo em gênero, número e grau com o que disse o @ronaldocorrea, mas tento sempre pautar minhas conclusões de maneira isonômica, e por isso, na minha visão esta culpa não pode ser atribuída exclusivamente a contratada, afinal creio que houve disputa no certame. Então além dela, as outras empresas e a própria administração também sabiam desta condição, que passou desapercebida por todos estes, seja na formulação da proposta, na fase recursal e no julgamento.

Então se isso tivesse sido detectado logo depois do certame ou, mesmo após feito o pedido, em tempo razoável e a empresa não tivesse ocorrido em nenhum gasto, entendo que vocês deveriam cancelar a homologação e voltar a fase de julgamento, mas na situação que você citou a coisa muda um pouco.

Dito isto, a principal coisa a se considerar nesse momento é se o material entregue atende as necessidades da administração, mesmo sem atender ao edital. Se não servir não há o que se discutir vale a pena a briga, pois essa opção será a melhor solução, mesmo que haja alguma obrigação de pagamento futura.

Se o objeto entregue atende a administração aí é preciso uma avaliação mais profunda da situação e outros critérios precisam ser avaliados anteriormente a tomada de decisão.

Realmente a isonomia e a vinculação ao instrumento convocatório são princípios e estes devem ser seguidos, porém existem outros e não vejo classificação hierárquica entre eles. Porém a depender da situação uns devem ser considerados mais relevantes do que os outros. Se não há princípio mais ou menos importante, todos devem ser considerados em um momento como estes, desde que é claro todos os atos tenham sido tomados com lisura e boa fé, até porque ao que parece este fato só tornou-se notório quando do recebimento do objeto.

Traçando um paralelo, imagine se seu objeto fosse luva de procedimentos e estivéssemos no meio da pandemia, você aceitaria ou não?

A primeira coisa a se avaliar é se o valor pago pelo objeto é justo ou se o fornecedor, aproveitando-se da especificação de objeto superior, ofertou o dele, de qualidade inferior e a preço incompatível.

Outro ponto importante é mensurar qual a necessidade de utilização imediata deste objeto, se por acaso não aceitarem e tiverem que realizar outro procedimento, mesmo que emergencial, isso pode impactar no funcionamento de seu órgão?

Assim, embora a instrução tenha sido imperfeita, neste momento precisamos avaliar os riscos envolvidos ao optarmos pelo não recebimento dos objetos, o que em tese, seria possível pela princípio da vinculação ao objeto convocatório, insculpido no art. 3º da Lei 8666/93. Se assim fizéssemos, certamente a decisão seria alvo de questionamento judicial por parte da contratada, que em tese, foi levada a erro, involuntariamente, pela administração, mesmo não tendo a administração, de maneira exclusiva, ter dado causa a este erro. Se condenada, a administração certamente teria de ressarcir a empresa pelos prejuízos a ela causados, seja pelas aquisições de peças, produção, frete, impostos, etc. Além disso, a judicialização poderia impedir a instrução de novo processo licitatório até que fosse solucionada a discordância (pouco provável), o que certamente traria sérios prejuízos a administração pública e sobretudo a sociedade, pois se, à época, existia a necessidade de aquisição certamente esta destinava-se ao atendimento de uma necessidade que, em tese, ainda não foi atendida.

Assim, o administrador público, ao decidir, não pode atribuir pesos iguais aos princípios que regem sua atuação, até porque, como acima aventado, entendo que há margem para aceitação ou não do objeto, fundamentando-as em princípios distintos, como por exemplo o que deu norte ao Acórdão 1033/2019 TCU/Plenário, o qual diz que a “aceitação de equipamento diferente daquele constante da proposta do licitante e com características técnicas inferiores às especificações definidas no termo de referência afronta o princípio da vinculação ao instrumento convocatório (arts. 3º e 41 da Lei 8.666/1993) e o princípio da isonomia”. No entanto, ao sopesarmos com outro principio, o da finalidade, ao asseverar que todo e qualquer ato da administração deve ser praticado visando à satisfação do interesse público, vemos que embora não tenha atendido o edital, o objeto atende a sua finalidade.

Embora não seja norteadora da Licitação, a Lei 14.133/2021, construída sob a égide de vários entendimentos jurisprudenciais que os órgãos tem seguido, mesmo não previstos na lei 8.666/93, já trata disto. Os trechos abaixo foram extraídos do Livro Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Joel de Menezes Niebuhr et al. 2. ed. Curitiba: Zênite, 2021. 1. 283p):

Ocorre que a própria noção da legalidade, historicamente concebida como vinculação da Administração à lei formal, foi sendo revisitada em prol da ideia de juridicidade, que impõe a vinculação da Administração a todo o direito e principalmente aos preceitos constitucionais.

[…]

Como consequência da noção de juridicidade, outros princípios de alçada constitucional, como a segurança jurídica, a proteção à confiança legítima e o dever de proporcionalidade, ganharam relevância na configuração das competências administrativas, inclusive no tocante ao poder-dever da Administração anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidades. Agora, por força desses princípios, tal prerrogativa já não pode ser considerada como uma consequência necessária da constatação de alguma ilegalidade. É preciso ponderar a situação do particular, de terceiros, da Administração e da coletividade. Em suma, é preciso ponderar as consequências da decretação de nulidade.

Em situações excepcionais, o próprio Tribunal de Contas da União já reconheceu que “A moderna doutrina administrativista em torno da teoria das nulidades, no entanto, tem admitido a preservação dos efeitos de atos administrativos ilegais quando o seu desfazimento estiver em desacordo com o interesse público subjacente à prática do ato”.26

Finalmente, a Lei n. 13.655/2018 positivou a relativização do poder-dever de autotutela, ao dispor no artigo 20 e seguintes da Lei de Introdução do Direito Brasileiro que a invalidação de atos administrativos pelas instâncias administrativa, controlada e judicial, deve considerar as consequências práticas dessa decisão, inclusive em face das possíveis alternativas, “não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos”.

Assim, se ficar comprovado que todos os demais princípios elencados no art. 3º da Lei 8666/93, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos, foram respeitados, ou ao menos a maioria destes, pelo tudo acima disposto, embora imperfeito, vejo motivos, desde que haja profunda avaliação, que possam justificar a decisão pelo recebimento do objeto.

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Muito bem lembrado, @rodrigo.araujo!

A LINDB permite a manutenção de um contrato administrativo, mesmo quando eivado de vício de legalidade.

No entanto, há requisitos bem rígidos para o uso da faculdade legal. Precisa de fato COMPROVAR o prejuízo iminente para a Administração. Não há discricionariedade do gestor em decidir simplesmente manter um contrato com falhas, alegando genericamente “interesse publico”.

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Peço desculpas pela demora em agradecer aos comentários dos nobres colegas @rodrigo.araujo e @ronaldocorrea. Estava sofrendo de férias na minha Bahia maravilhosa.

A situação é bem caótica no Órgão, estamos com deficit de 40% de servidores. Infelizmente, grande parte das unidades não possuem setor administrativo capacitado para instruir os processos. Daí, os poucos pregoeiros têm viajado para as unidades e realizando todo o trabalho de instrução, desde a fase de planejamento até a execução do pregão.

Este certame mesmo era uma SRP com quase 200 itens onde o pregoeiro operou, habilitou e adjudicou sem equipe de apoio, e acabou ocorrendo esse problema.

Volto a agradecer a ajuda dos colegas e repassarei os apontamentos daqui para subsidiar a tomada de decisão.

Grande abraço.