ETP: O dilema entre necessidade e solução

Comunidade Nelquiana,

Com grande satisfação, convido-os a ler o texto que escrevi com a amiga Cecília Costa sobre o potencial e os riscos do Estudo Técnico Preliminar. A íntegra do artigo está disponível AQUI

RESUMO:

O Estudo Técnico Preliminar (ETP), segundo a Nova Lei de Licitações e Contratos, Lei 14.133/2021, deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação. Para evidenciar o problema, ou necessidade, existem diversas técnicas trazidas pela literatura. O presente trabalho faz uma análise de como deveria ser este estudo da necessidade pela ótica destas técnicas e como o ETP vem sendo feito pelos órgãos públicos do Brasil. A primeira parte percorre as etapas da aplicação de uma técnica trazida por Alexander DeHaan no seu livro solução de problemas complexos, por meio de um exemplo fictício da compra de um tênis de corrida, para demonstrar a importância da utilização de técnicas no estudo da necessidade. Em seguida enumera algumas de outras técnicas que podem ser utilizadas pelos ógãos públicos. A segunda parte traz a evolução do Estudo Técnico Preliminar nas contratações públicas e faz uma linha do tempo das decisões do Tribunal de Contas da União acerca da utilização do ETP. A última parte mostra a importância que os estudos ganharam, principalmente nos últimos 5 anos. O Presente artigo conclui que os resultados produzidos hoje pelos ETP elaborados pela Administração Pública não atingem seu potêncial, e em especial, não trazem um conhecimento maior sobre o problema do que aquele que já existia antes de sua elaboração, gerando enormes custos administrativos, estimados em R$ 500 milhões por ano, só no Executivo federal, sem garantia de bons resultados do investimento.

O artigo foi publicado no livro “Licitações e Contratos Administrativos na Lei 14.133/21 – Aspectos Gerais”, disponível pela Editora Negócios Públicos AQUI

Boa leitura!

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Obrigada por compartilhar.

Obra interessante, sem dúvida, mas é apenas mais uma fonte de evidências organizadas de que algo errado está ocorrendo com o modelo de gestão de compras como um todo, e falo isso baseado também numa pesquisa sobre os conteúdos dos PDTICs dos órgãos que estou tentando publicar, onde o termo “necessidade” se confunde com “solução”. Então, penso que a reflexão mais importante que precisamos iniciar é sobre as causas desse problema crônico no SIPEC, e eu apostaria minhas fichas em duas “pontas soltas”: 1) o baixo nível de capacitação profissional específica de quem elabora os ETPs, e 2) a pouca integração da área de compras com as demais áreas dos órgãos (esse problema, na verdade, deve começar a ser resolvido a partir dos órgãos de controle e do órgão central do SIPEC, acoplando as soluções de RH às soluções normativas).

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Excelente artigo!

Aproveitando o tópico, no que se refere à Instrução Normativa 5/2017 da SEGES-ME, poderia ser suprimida a disposição que exige a divulgação do ETP como anexo ao Termo de Referência ou ao Projeto Básico, visto que o caráter preliminar do estudo possui serventia até a elaboração do respectivo TR ou PB.
Frequentemente, em especial, após a análise da assessoria jurídica da Administração, os TRs/PBs requerem algum tipo de alteração que implica atualização do ETP em razão da exigência de divulgação deste quando da publicação do instrumento convocatório.

IN 5/2017, Anexo V, subitem 2.2a:
[…]
2.2. Fundamentação da contratação:
a) Os Estudos Preliminares serão anexos do TR ou PB, quando for possível a sua divulgação;
[…]

No ETP constam questões críticas, tais como:

  1. qual é a necessidade da organização pública a ser atendida?
  2. por que foi escolhido determinado tipo de solução a contratar?
  3. como foi calculado o orçamento estimado da contratação, que dá suporte à análise de viabilidade da contratação? Lembrando que o orçamento estimado inclui as quantidades definidas e os preços estimados preliminarmente.

Cabe salientar que duas diretrizes da LAI são fomentar o desenvolvimento da cultura de transparência na Administração Pública e fortalecer o controle social (Lei 12.527/2011, art. 3º, incisos IV e V).
A sociedade tem que ter facilmente acesso ao ETP para poder avaliar se o planejamento da contratação tem a consistência adequada.

Portanto, embora o ETP materialize o planejamento preliminar da contratação, possui serventia após a elaboração do respectivo TR ou PB, pois é insumo para o controle social.

Seguindo o seu raciocínio, não caberia qualquer atualização ao ETP, bastando tão somente a sua mera inclusão como anexo ao TR/PB.
Para o cidadão comum, as informações divergentes acabariam tendo exatamente o efeito contrário, pois dificultaria a compreensão tanto da forma quanto do objeto licitado.
Ainda mais, no momento em que o amplo acesso de dados proporcionam um tempo cada vez menor da atenção das pessoas, torna-se imprescindível que a Administração utilize meios simplificados de comunicação e transparência.
Por fim, nada impede ao bem menor número de interessados que solicitem a referida documentação contida nos autos (isso quando o processo todo já não estiver disponível para consulta pública).
Em resumo, informação em excesso/divergente prejudica muito mais do que auxilia.

Caro Carlos,

Creio que vale ponderar alguns pontos:

  1. o Estudo Técnico Preliminar (ETP), como o próprio nome indica, é preliminar, não é definitivo.
    O ETP serve primordialmente para analisar a viabilidade da contratação.
    Logo, por ser preliminar, é de se esperar que haja informações que sejam preliminares e que, portanto, deverão ser alteradas no planejamento definitivo (o TR ou o PB).
    Conforme você tinha inferido, não me parece fazer sentido voltar para arrumar o ETP após evoluções no TR ou PB, pois o ETP é preliminar mesmo.
    Não haver divergências em alguns casos pode ser muito improvável, em especial para objetos complexos ou novos para organização pública, pois pode haver muito aprendizado ao longo de todo o planejamento da contratação (provisório e definitivo) e na gestão contratual.

  2. diversas informações críticas para a sociedade não devem sofrer alterações significativas, como a necessidade da contratação e a análise para a escolha do tipo de solução a contratar.
    Agora, elementos como requisitos e o orçamento estimado (quantidades a contratar e estimativas de preços) podem mudar mesmo.
    Até porque novos elementos serão construídos somente no TR ou no PB, como o modelo de execução do objeto (como o contrato deverá funcionar) e o modelo de gestão do contrato (como o contrato será acompanhado e fiscalizado).
    Esses novos elementos também afetam os preços estimados, mas não vale a pena construí-los no ETP, pois pode-se concluir que a contratação não é viável por diversas questões (e.g. necessidade vaga, o mercado pode não oferecer solução satisfatória, os riscos serem altos demais ou relação custo-benefício não ser satisfatória).

  3. há situações em que o ETP e o TR ou PB sofrem poucas modificações.
    Por exemplo, na compra de flash drives (pen drives), pois os elementos do ETP não devem mudar e o modelos de execução do objeto e de gestão do contrato podem não afetar o preço, pois trata-se basicamente de pagamento após a entrega e uma garantia por um determinado período de tempo.

  4. como expus na mensagem anterior, o acesso a artefato tão crítico deve ser franqueado com total facilidade.
    O acesso não deve depender de solicitações, o que pode implicar obstáculos para sua obtenção.
    A sociedade deve ter facilidade para saber coisas como o porquê da contratação.

  5. o acesso fácil ao ETP não serve somente para o controle social.
    Também serve para que outras organizações públicas possam conhecer o planejamento das outras organizações, de modo que o conhecimento acumulado possa ser facilmente disseminado.
    Lembrando que as organizações públicas compram muitas coisas em comum, do mesmo conjunto de empresas, com basicamente a mesma legislação.
    Portanto, conhecer o esforço dos outros pode economizar muito tempo e energia da nossa organização pública, o que pode baratear o processo e aumentar a chance da contratação ser eficiente, eficaz, econômica, efetiva e de se obter a proposta mais vantajosa em um determinado momento.
    É uma forma de gestão de conhecimento.

  6. o conteúdo do ETP pode ajudar as empresas a propor soluções adequadas à organização pública.
    Como exemplo, cito um caso que ocorreu conosco em 1995, quando eu atuava no planejamento e na execução de contratações de TI.
    Havia uma licitação para contratar servidores de rede.
    Um item se referia a servidores de rede mais potentes (computadores de plataforma baixa de maior porte) e em outro item tratava de algumas estações de trabalho mais encorpadas para rodar softwares de engenharia e de editoração da nossa revista.
    As empresas tiveram acesso somente ao projeto básico (técnica e preço na época), que somente trazia as especificações técnicas desses dois itens.
    Ocorreu que as empresas que competiram na licitação entenderam se tratavam de dois tipos de servidores: o primeiro item seria de servidores mais topo de linha (high-end) e o outro item de servidores menores (entry-level).
    Bem, não era o que queríamos para o segundo item, pois queríamos estações de trabalho parrudas e não servidores menores, que são máquinas diferentes.
    Servidores de rede de menor porte eram (imagino que ainda sejam) máquinas mais robustas em termos de hardware, normalmente com checagens de transferências internas de dados mais sofisticadas, fontes de alimentação mais potentes e chassis com mais espaço (mais slots), o que costumava tornar essas máquinas maiores do que estações de trabalho.
    Esse aspecto eu esqueci de mencionar na primeira versão desta mensagem.

Enfim, concordo que a divergência pode causar alguma confusão para algumas pessoas.
Mas o fato de o ETP ser preliminar pode ser suficiente para que se entenda o porquê de haver algumas divergências.
Deixar de divulgar o ETP de forma ostensiva me parece muito mais danoso do que eventuais divergências entre esse artefato e o TR ou PB.

Atenciosamente,

Carlos Mamede

Ethel,

Concordo com você.
A busca do aprimoramento das competências daqueles que planejam e efetuam a gestão de contratações públicas parece ser algo crítico.
Aí podemos falar de critérios para escolhas de chefias dessas áreas, capacitações, certificações, alçadas (e.g. para contratações acima de determinado valor, o agente de contratação deve ter pelo menos uma certificação X, de modo que haja níveis a serem galgados), e exigências para se atuar nessa área, que é de alto risco.
Trata-se de uma questão de governança pública.
A Lei 14.133/201 traz elementos nesse sentido, que podem ser bastante refinados em normas infralegais (e.g. o que consta no seu art. 7º).

Acrescento que, pelo que observei em minha própria organização e em outras da APF, na área de TI há uma enorme dificuldade em diferenciar necessidade de solução.
As contratações terminam sendo autoreferenciadas, de modo que a análise fica totalmente enviesada.

Por exemplo, porque dobrar a velocidade da rede de microcomputadores?
Porque a rede está lenta, ora.
Ou seja, não se pergunta o que trafega na rede, se o tráfego deverá aumentar e porque, se vai haver alguma diminuição (e.g. algum serviço público vai sair do ar), ou qual é a sazonalidade desse tráfego.
Dobrar pode ser muito pouco no final das contas se houver, por exemplo, previsto o oferecimento de novos serviços públicos digitais em breve, os quais consumam grande parte da banda da rede (links internos e externos).

Quanto mais próximo da infraestrutura, mais agudo parece ser esse problema, mas também ocorre para soluções de nível mais alto.
Uma vez vi uma contratação de uma organização pública sobre Educação a Distância (EaD).
Havia um diagrama bonito com o banco de dados embaixo, acessado por um monte de aplicações Java.
Entretanto, não se dizia o que se esperava da solução.
Que tipos de competências seriam aprendidas?
Qual seria o modelo de EaD a ser adotado?
Mediante quais instrumentos os alunos aprenderiam?
Como o conteúdo a ser aprendido seria vinculado? Vídeos gravados, textos, fóruns, chats, videoconferências…?
Como seriam feitas as avaliações de conteúdo?
Quantas pessoas seriam treinadas ao longo do tempo?
Quantas pessoas acessariam simultaneamente a solução?

A impressão que dava é que a solução tinha sido elaborada pela área de TI somente, e não por pareceria entre a área de negócio responsável pelo tema juntamente com a área de TI, considerando as aspirações de todas as partes interessadas com relação a esse assunto.

Em linha com o artigo citado anteriormente, quando se parte para dar solução a um problema sem entendê-lo direito, parece haver a tendência de se oferecer soluções baseadas em ferramentas familiares, mas que podem não apresentar itens que levem ao atendimento da necessidade a ser atendida, o que pode remeter a um nicho de mercado errado, que pode praticar preços mais altos do que o nicho adequado.

A propósito, Ethel, acho que estudamos juntos no mestrado.

Um abraço,

Carlos Mamede

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Perfeito!
A necessidade expressa uma ausência percebida, sem que a solução seja completamente conhecida, é a busca pela solução e não a solução em si.

Imagine a situação em que tenhamos a necessidade de deixar o cabelo no lugar. Mulheres ficam um tanto perturbadas com os cabelos assanhados ( é mera ilustração). Então preciso adquirir um produto para deixar o cabelo arrumado, no lugar.

Quais as soluções possíveis?
Um boné? Uma touca? Laquê? Gel para cabelo?

Para Juran, importante guru da Administração, para quem “Qualidade é adequação ao uso”, é necessário estabelecer a qualidade do projeto, com adequada concepção e especificação do projeto.
Logo, um olhar demorado sobre a necessidade pode aumentar as chances de sucesso na contratação.