Entrevista sobre Conta Vinculada (Lorena Mendes)

EGP Entrevista

Estimados leitores!

Há mais de 50 anos, o Decreto-Lei 200/67, trouxe clara diretriz para a Administração Pública avaliar a relação custo x benefício dos controles em relação aos riscos que buscam mitigar. Em contratos terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra, há vários riscos relacionados com obrigações trabalhistas e previdenciárias. Um controle bastante utilizado é a Conta Vinculada, onde são depositados valores retidos mensalmente, para cobrir custos com 13º salário, férias e rescisões dos trabalhadores que atuam no contrato. Uma pesquisa recente investigou os custos e benefícios desse controle, que afeta milhares de contratações. O caríssimo amigo e colaborador Franklin Brasil convidou a pesquisadora, Lorena Mendes, para uma conversa sobre os resultados. Acompanhem!

Franklin Brasil – A Conta Vinculada já é obrigatória no Judiciário de todo o país e no Executivo federal. Faz sentido, considerando os resultados da sua pesquisa, exigir esse controle em todas as contratações com dedicação exclusiva de mão de obra?

Lorena Mendes – Os achados da pesquisa desenvolvida no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região revelam que os custos da operacionalização da conta vinculada comprometem os benefícios auferidos com sua utilização. Ao passo que protege os direitos trabalhistas dos empregados terceirizados e resguarda a Administração Pública de eventual responsabilidade subsidiária, o instrumento exige desproporcional esforço da fiscalização dos contratos administrativos (e do outro lado, também das empresas contratadas!).

Entre os pontos críticos identificados, estão o exame de volumosa e complexa documentação trabalhista, o que onera a estrutura física e pessoal e concorre com a fiscalização da execução do objeto contratado; a ingerência na gestão das empresas contratadas; a ausência de padronização operacional; e a possibilidade de bloqueio judicial dos recursos retidos.
Considerando esse cenário, a exigência da conta vinculada em todas as contratações com dedicação exclusiva de mão de obra não me parece adequada. Isso porque é fundamental que os controles adotados sejam precisos, oportunos e eficazes de acordo com o risco que cada contratação apresenta.

Não é que a utilização da conta vinculada seja totalmente inadequada, mas apenas que o risco de inadimplência trabalhista e/ou previdenciária que se procura mitigar não é sempre relevante em todas as contratações. Assim, a opção pela conta vinculada por mera imposição normativa, sem qualquer avaliação prévia, deixa de levar em conta a premissa, cunhada desde 1967, no Decreto-Lei nº 200, de que o custo de todo controle implementado não deve ser evidentemente superior ao risco.

Franklin Brasil – No Acórdão nº 1.214/2013-Plenário, o TCU foi contrário à conta vinculada. No mesmo ano, a AGU, no Parecer nº 73/2013, recomendou sua adoção em todos os contratos. Afinal, algum deles tem razão?

Lorena Mendes – É evidente a insegurança jurídica desencadeada quando dois órgãos federais que orientam a atuação de tantos outros possuem entendimentos tão divergentes quanto ao mesmo assunto.

No entanto, a própria AGU, que defende a utilização da conta vinculada, também já recomendou que, na sua implementação, a Administração observe se estão sendo respeitados os princípios da economicidade e da eficiência (Nota nº 020/2011/DEAEX/CGU/AGU). Nesse sentido, o TCU vem insistindo na avaliação de custo-benefício e de riscos relacionados à utilização da conta vinculada.

Logo, apesar da argumentação contraditória entre AGU e TCU, a razão parece estar no fato de que a conta vinculada não deveria ser adotada de forma obrigatória e indiscriminada, sem uma avaliação dos custos adicionais e dos benefícios gerados por esse instrumento dentro de cada realidade organizacional.
Entendo que é fortemente arbitrário que ao gestor não seja possível, no planejamento da contratação, optar por qualquer outro controle que entenda mais adequado (e não necessariamente o pagamento pelo fator gerador), tendo em vista os recursos humanos disponíveis, o histórico do mercado fornecedor quanto ao descumprimento das obrigações trabalhistas e as condições específicas de cada contratação.

Franklin Brasil – No Acórdão nº 2.328/2015-Plenário, o TCU recomendou à então SLTI a reavaliação da conta vinculada, estudando seu custo/benefício. Dois anos depois, no Acórdão nº 599/2017-Plenário, o TCU entendeu que a questão ainda estava em desenvolvimento, pois a IN SEGES nº 05/2017 trouxe, como alternativa, o pagamento pelo fato gerador. Essa alternativa realmente dispensa o estudo de custo/benefício que o TCU havia recomendado?

Lorena Mendes – A nova metodologia do Pagamento pelo Fato Gerador, no meu entendimento, assevera ainda mais a necessidade de reavaliação da conta vinculada.

Agora, sob o risco de inadimplemento trabalhista por parte das contratadas, o gestor se vê diante de dois instrumentos igualmente complexos e burocráticos (exceto no Judiciário, em que a conta vinculada permanece sendo a única e obrigatória alternativa). No Executivo Federal, a opção por um ou por outro deverá ser justificada na avaliação da relação custo-benefício.
Quanto ao pagamento pelo fato gerador, não existem experiências organizacionais suficientes para concluir sobre sua vantajosidade, mas, pela leitura dos procedimentos publicados, a novidade pode representar custos ainda maiores para a Administração Pública, uma vez que exige o controle sistemático de várias ocorrências futuras e incertas (ex.: licenças maternidade e paternidade, ausência por acidente de trabalho, auxílio-doença e outras ausências legais).

Dessa forma, considerando a potencial onerosidade da conta vinculada, já apontada pelo TCU e exposta nos resultados da pesquisa desenvolvida, maiores estudos sobre o tema ainda são necessários seja para sua substituição por outras formas de controle menos custosas e até mais eficazes, seja para a identificação de medidas que podem ser adotadas para aprimorar sua gestão.

Franklin Brasil – Além do fato gerador, que alternativas existem ou deveriam existir à conta vinculada, para mitigar os riscos de inadimplência trabalhista e/ou previdenciária do contratado?

Lorena Mendes – A própria seleção do fornecedor na fase licitatória contempla um controle prévio da idoneidade das empresas interessadas. Ora, essa higidez (jurídica, técnica, econômico-financeira, fiscal e trabalhista) também é aferida durante todo o acompanhamento da execução contratual e a cada prorrogação de vigência, o que, sem dúvidas, já mitiga os riscos assumidos.
Além disso, nos contratos de terceirização, é exigida a apresentação de garantia que assegure o pagamento de obrigações trabalhistas e previdenciárias de qualquer natureza não adimplidas pela contratada. No encerramento do contrato, essa garantia só é liberada mediante a comprovação de que a empresa pagou tudo corretamente.
Como se não bastasse, a IN SEGES nº 05/2017 prevê uma fiscalização administrativa extremamente detalhada e rigorosa do cumprimento das obrigações trabalhistas e sociais (inicial, mensal, diária, procedimental e por amostragem), a partir da qual é possível a adoção de providências tempestivas nos casos de inadimplemento, de modo muito mais oportuno do que nas rotinas da conta vinculada.

Na defesa da adoção de políticas com ênfase na fiscalização prévia e concomitante à execução dos contratos, visualizo como alternativas viáveis a utilização da amostragem realizada com critérios estatísticos, de aparatos tecnológicos para simplificar e automatizar as atividades fiscalizatórias ou, até mesmo, agora hipoteticamente, de uso compartilhado de dados do Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) entre os órgãos públicos contratantes.

Enfim, vejo como muito válida a constante busca por alternativas, ao menos, igualmente eficientes no gerenciamento dos riscos de inadimplência trabalhista e/ou previdenciária, sem que o incremento dos custos operacionais e financeiros dos controles torne inviável a própria opção por terceirizar um serviço.

Lorena Lopes Freire Mendes é Mestra em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (EG/FJP), especialista em Direito Tributário e graduada em Direito e Ciências Contábeis. É analista judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3a Região, com atuação na Diretoria de Orçamento e Finanças. Atualmente é chefe da Seção de Liquidação de Serviços Terceirizados, onde há 4 anos lida diretamente com as rotinas de conta vinculada nos contratos de terceirização. Sobre o tema, tem livro em elaboração a ser publicado pela Editora Dialética, com o objetivo de contribuir com a difusão do debate e a melhor compreensão do instrumento. Contato: lorenalf@trt3.jus.br

9 curtidas

Muito interessante a posição da Lorena. Estamos analisando a implementação desse procedimento em futuros contratos aqui no Senac-DF, ou outros similares.

Sem dúvidas há um impasse relevante sobre o custo administrativo da conta vinculada, é um trabalho que se seguido à risca, pode ser muito oneroso pra fiscalização.

Estamos ponderando com nossa estrutura, pessoal e real necessidade.

1 curtida

Na UTFPR a Conta Vinculada foi substituida (nos novos contratos, obviamente) pelo Fato Gerador

1 curtida

Na experiência de vocês ficou menos oneroso pra fiscalização ?

Daew Mateus

Em termos gerais ficou menos oneroso se tratando do trabalho geral. Fica um pouco mais oneroso para o fiscal administrativo, que vai analisar os fatos ocorridos. Mas contando com o trabalho do departamento financeiro, calculo do valor base que deve ser provisionado para a conta vinculada, processo de pagamento da conta vinculada e demais, o fato gerador compensa.
E diminui o preço pago no final (caso não exista os fatos, ou exista em uma quantidade normal).

Não necessita do trâmite com o banco, para criação, liberação, controle da conta, etc.

Como gestão de riscos (que é o que ela realmente é), ela é muito eficaz.

3 curtidas

Mas quando estamos falando em fato gerador, vocês analisam para os dois lados?

Vamos ao exemplo a empresa prevê que por ex. de 10 recepcionistas uma irá engravidar (afastamento maternidade) mas naquele ano 3 engravidaram… vocês remuneram o % das tres ou limitado a planilha?

Outro bom exemplo é o caso do VT a empresa cotou somente um mas determinado funcionário utiliza dois… vocês pagam os dois? Veja isso ocorre direto… o funcionário que não utiliza “compensa” o que usa 2, se for por fato gerado olhando somente a despesa gasta deveria ser pago pelos 2 daquele mesmo que o outro não utilize.

Espero que tenha entendido … Quero saber pois é uma duvida comum quando vemos licitações por fato gerador… e como a nossa única experiência foi ruim quando vemos editais com isso pulamos fora.

Eu sou um teimoso defensor da conta vinculada, e estenderia um rol de motivos para nem pensar em pagamento por fato gerador, especialmente para a realidade com que lidava.
Entretanto, é bom ver experiências positivas a este respeito, ainda que um dos meus argumentos é que no médio/longo prazo tenda a ser um modelo oneroso para a administração, assim que o empresário entender como o modelo funciona e passar a onerar sempre que possível.