Ausência de percentual mínimo de aceitabilidade de sistema em Prova de Conceito

Pessoal, boa tarde. Novo por aqui!

Não faço compras públicas mas atuo na área de TI do meu órgão que, através de uma de suas unidades gestoras, decidiu contratar um sistema sem consulta prévia de detalhes à minha unidade. Pois bem.

Durante a prova de conceito do sistema, notei que o Edital não previu um percentual mínimo de aceitabilidade da solução. O que fazer, nestes casos? Essa omissão permite aplicar um percentual abstrato que eventualmente se usa nestes casos? Exemplo: em editais omissos com esse objeto, estipula-se que a solução deve atender a, no mínimo, 50% dos requisitos apontados para o sistema.

Não sei se eu entendi bem, mas se for pra contratar e está em edital, o percentual é 100%.

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@Gabriel_Lira_Guimara,

O edital é vinculante para a Administração e a lei veda expressamente a utilização de critérios subjetivos de julgamento. De forma que resta ilegal arbitrar novos critérios de julgamento não previstos no edital. Ou seja, se o edital não previu expressamente, não inventa.

Ser o edital estiver falho, a solução correta é revogar a licitação, corrigir o edital e licitar de novo.

@Gabriel_Lira_Guimara

As Provas de Conceito, envolvendo aquisição de licenças de uso de sistemas, não raro são objetos de pedidos de esclarecimentos e, especialmente, impugnações. O Licitante, em alguns casos, quando não consegue, denúncia ao respectivo Tribunal de Contas, que dependo da situação, revoga/suspende o pregão.

As impropriedades mais apontadas são: exigência no atendimento a 100% dos requisitos, prazo para realização e duração da prova muito curto, ainda mais no caso de sistemas mais complexos, com muitos módulos, ou aqueles requeiram algum tipo de customização, antes da prova. No entanto, a falta de critérios objetivos e percentuais para avaliação também figuram no rol.

Os órgãos de controle, ao suspender/revogar os pregões, tem entendido como procedentes as representações considerando como excessiva a exigência de atendimento entre 80% e 100% dos requisitos. A fundamentação gira em torno de aumentar a competição, evitar o direcionamento do certame, interesse público, etc.

No seu caso, considerando que o Edital tenha, no mínimo, a definição dos parâmetros técnicos e os objetivos a serem avaliados, se atender necessário desclassificar algum corrente, procure fundamentar com base nas condições ou especificações essenciais e indispensáveis que o sistema proposto tenha deixado de atender, de forma irrefutável. De modo que, mesmo havendo recurso, você conseguirá demonstrar que não seria possível que o sistema atendesse a necessidade da contratação.

Caro Gabriel,

Seu questionamento soou tão estranho para mim, que tive que ler sua mensagem e as respostas duas vezes, além do acórdão do TCE-PR, citado na mensagem do Diego Lira Guimara.

Posso ter entendido errado, mas parece estar havendo confusão com conceitos como “tipo de licitação” e “prova de conceito”.

Uso do pregão - critério menor preço, com atendimento das especificações

Em primeiro lugar, as contratações de TI normalmente ocorrem mediante pregão, pelo menos no ordenamento jurídico baseado na Lei 10.520/2002 e na Lei 8.666/1993.

Nesse ponto vale trazer um trecho da Nota Técnica - AudTI/TCU 8/2023:

“669. Assim como foi sinalizado no relatório do acórdão citado, nesta NT, também, não está em discussão a adoção do pregão como a modalidade licitatória adequada para a contratação de bens e serviços comuns, inclusive de TI. A obrigatoriedade do pregão em tais casos está consolidada tanto na jurisprudência do TCU (e.g. Acórdãos 2.138/2005, da relatoria do Ministro Walton Alencar Rodrigues, e 2.471/2008, da relatoria do Ministro Benjamin Zymler; ambos do Plenário do TCU), e na legislação, a exemplo do Decreto 7.174/2010, art. 9º, do § 1º; e da IN - SGD/ME 1/2019, art. 25, parágrafo único.”.

Ao adotar a modalidade pregão, automaticamente se adota o tipo “menor preço”.
Lembrando que menor preço não significa somente que o preço seja o menor, mas também implica que as especificações do objeto sejam atendidas.

Na Lei 10.520/2001, art. 4º, inciso X, consta o seguinte:
“X - para julgamento e classificação das propostas, será adotado o critério de menor preço, observados os prazos máximos para fornecimento, as especificações técnicas e parâmetros mínimos de desempenho e qualidade definidos no edital;”

A Lei 8.666/1993, art. 45, § 1º, inciso I, traz conceituação similar:
“1º Para os efeitos deste artigo, constituem tipos de licitação, exceto na modalidade concurso: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
I - a de menor preço - quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço;"

Ou seja, não basta o menor preço, o objeto ofertado com o menor preço também tem que estar aderente às especificações do edital.

Mas com qual grau de aderência com relação às especificações técnicas?
100% de aderência.

Do contrário, como foi apontado pelo Ronaldo Correa, cairíamos em um critério subjetivo (Lei 8.666/1993, art. 44, § 1º).
O que seria aceitável em termos de aderência? 90%, 80%, 78,73% de aderência?

Também cairíamos na questão do que é um critério, pois as especificações técnicas podem apresentam itens e subitens.
Se 8 de 10 subitens de um item forem atendidos, como os contamos em termos de percentuais?

Além disso, qualquer critério pode ser ou não ser aceito, desde que se alcance uma determinada porcentagem, ou há critérios que são obrigatórios e outros opcionais, isto é, que poderiam estar fora do percentual mínimo?
Aí caímos no conceito de licitação do tipo “técnica e preço”, que pressupõe um conjunto de critérios obrigatórios (100% deles têm que se atendidos) e um conjunto de critérios opcionais, claramente expressos e com pontuações definidas.

Mas 100% não é muita coisa? Não afeta a competitividade?
Como indica o colega Diego, todas as especificações técnicas, bem como os critérios de habilitação, deveriam ser decorrentes da necessidade da contratação.
Ou seja, a partir da necessidade da contratação, seriam definidos os diversos elementos da contratação, incluindo as especificações técnicas e as quantidades.

Como define a Constituição Federal, art. 37, inciso XI, o processo de licitação “somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

Portanto, deve ser definido um conjunto que seja indispensável para atender à necessidade da contratação.
Aí comento que o trecho “indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” soa antiquado.

Agora, a equipe de planejamento da contratação tem que conhecer o mercado do objeto a contratar, de modo a, se necessário, eleger o tipo de solução que atenda à necessidade da contratação, de acordo com estudo conduzido no âmbito do Estudo Técnico Preliminar.

Para esse tipo de solução escolhida, a equipe de planejamento deve estabelecer requisitos técnicos que levem ao atendimento da necessidade da contratação e ao mesmo tempo propicie competição entre soluções daquele tipo eleito.
Para isso, a equipe deve garantir que os requisitos são atendidos pelo maior número possível de soluções.
Portanto, tem que fazer uma boa pesquisa de mercado e conferir se os requisitos não são excessivamente restritivos.

Sem esse cuidado, pode haver o direcionamento da licitação para uma solução específica, de propósito ou não.
Pode ser de propósito, quando, por exemplo, a equipe de planejamento está em conluio com um fornecedor.
Também pode ser sem querer, quando a equipe, por exemplo, escolhe uma solução porque já teve bons resultados com ela ou, por desídia, simplesmente copia as especificações de uma solução de alguma marca consagrada.

No guia de contratação de TI do TCU, publicado em 2012, há um item que detalha essa questão dos requisitos (item “6.1.3 Requisitos da contratação”).

Em função do exposto:

  1. as especificações têm que ser as mínimas necessárias para que o objeto atenda à necessidade de negócio que desencadeou a contratação;
  2. permita competição no nicho de mercado que atende à necessidade de negócio que desencadeou a contratação; e
  3. a verificação da aceitabilidade da proposta passa por verificar se a proposta vencedora atende a 100% das especificações, para não cair em critérios vagos. Também tem que verificar se o preço é aceitável, mas isso é outra história.

Se houver itens opcionais, então estamos falando de licitação do tipo “técnica e preço”, que exclui o uso da modalidade pregão, que é obrigatória para TI, pelo menos no nível federal.

Prova de conceito

Até aonde minha visão alcança, “prova de conceito” é um mecanismo para se verificar a aderência de uma proposta ofertada às especificações do edital, assim como a solicitação de amostras.
Na Lei 14.133/2021, art. 17, § 3º, consta o seguinte:
“§ 3º Desde que previsto no edital, na fase a que se refere o inciso IV do caput deste artigo, o órgão ou entidade licitante poderá, em relação ao licitante provisoriamente vencedor, realizar análise e avaliação da conformidade da proposta, mediante homologação de amostras, exame de conformidade e prova de conceito, entre outros testes de interesse da Administração, de modo a comprovar sua aderência às especificações definidas no termo de referência ou no projeto básico.”

Qual grau de aderência é verificado na prova de conceito?
100%, como explicado anteriormente.
O mesmo acontece se for solicitada uma amostra do produto oferecido.

Entretanto, não vejo problema de se fazer uma “prova de conceito” no âmbito do ETP para … provar se o conceito de um tipo de solução a contratar é factível.

Enfim, espero que essa mensagem comprida ajude você a responder ao seu questionamento.

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