Caros colegas,
Trago um assunto que não é foco das discussões do GestGov, mas que acredito interessar a muitos. Por isso, peço a licença para solicitar a todos os colegas servidores uma especial atenção ao presente tópico.
Sou servidor público federal e estou particularmente interessado numa disfunção bastante comum na Administração Pública. Refiro-me ao “paradoxo competência-sobrecarga”, se assim eu o puder chamar.
No serviço público, o servidor que se revela pró-ativo, zeloso e eficiente vê-se designado para mais e mais tarefas (afinal, a pessoa é competente!, diriam). Em contrapartida, o servidor que procrastina, que mal trabalha (ou que sequer trabalha), que é desleixado e que faz tudo errado sem qualquer cuidado acaba ganhando o privilégio de não receber outras atribuições ou, pior ainda, de continuar sem trabalhar (afinal, a pessoa não faz nada!).
Em resumo, na Administração Pública a regra é: mostra que és competente e acumularás mais trabalho; mostra que és incompetente e serás beneficiado com a desocupação.
Os bons servidores são amontoados de mais afazeres em detrimento dos outros que nada fazem em prol do serviço. É evidente que a manutenção desse sistema leva à sobrecarga dos servidores produtivos, que acumulam mais e mais volume de trabalho, e ao desestimulo e à desmotivação gradativa para o desempenho ótimo das atribuições.
Ou seja, parece-me que a produtividade joga no time contrário à eficiência, pois não existe uma divisão racional de funções, capaz de forçar os ociosos a trabalharem, de maneira a melhor distribuir as atividades dentre todos os servidores do quadro de pessoal. A competência no desempenho das atribuições é uma marca de Caim que penaliza o servidor exemplar. Os efeitos da sobrecarga de trabalho são diversos e bem conhecidos: ansiedade, depressão, esgotamento, síndrome do pânico, dentre tantos outros.
Deveria ser evidente que as atividades precisam ser distribuídas de forma equânime entre os servidores, a fim de se evitar a sobrecarga de trabalho. Assim, estar-se-ia dispondo de um critério objetivo para a designação de funções: quem apresentar baixa produtividade receberá mais atribuições.
Apesar de óbvio, não é assim que funciona. Os servidores-problema são encostados em funções mínimas ou insignificantes, o que os condecora com o privilégio de manter seu status quo. Como as autoridades superiores parecem preferir não se indispor pessoalmente com tais servidores, esse é um modus operandi vicioso que parece se arrastar indefinidamente no funcionamento da Administração Pública.
Nesse pensamento, se o servidor é problemático e sua presença onera os cofres públicos, delegá-lo novas funções pode ser justamente um caminho imparcial para, no futuro, responsabilizá-lo por sua conduta desidiosa, demonstrando a insubordinação, a ineficiência e a improdutividade no desempenho laboral, já que o indivíduo dificilmente assumirá papel ativo nas novas atividades.
No entanto, ao optar por não lidar com os servidores vadios, os gestores públicos terminam por alimentar o comportamento que tanto criticam. “Fulano não faz nada”, ecoam, “não adianta dar serviço para ele”. Ora, mas quando tal Fulano foi devidamente cobrado de seu exercício é a questão incisiva. E a resposta é provavelmente nunca, já que os serviços recaem sobre os demais, reforçando e consentindo com a disponibilidade do primeiro.
Em alguns casos, parece-me haver, inclusive, certa insistência a nível institucional para sustentar o cenário em comento, com processos de seleção “por competência” e a subversão de nomenclaturas como “agentes transformadores” ou “talentos” para identificar servidores produtivos e competentes, dignos de mais obrigações. Nas entrelinhas, trata-se da manutenção dos maus servidores em seu estado de conforto, às custas da saúde ocupacional dos demais.
Finalizando essa longa consideração (ou desabafo?), gostaria de suscitar a discussão entre os colegas do grupo, aproveitando o ensejo para questionar a existência de qualquer texto que, mesmo que vagamente, aborde esse fenômeno.
Gostaria de saber se há alguma fonte que discorra sobre esse aspecto da má distribuição das tarefas entre servidores públicos, não observando os níveis de produtividade deles como fator objetivo para a segregação das funções. É bem-vinda qualquer crítica doutrinária, qualquer comentário perdido na jurisprudência dos órgãos de controle interno ou externo, qualquer frase na literatura de gestão de pessoas, qualquer análise independente, enfim, qualquer coisa.
Afinal, qual o custo dos encostados no serviço público?