O que é “liquidação” ou “ateste”? É um ponto em que a Instrução Normativa foi pouco operacional, o Webinar tentou responder, até com certa minimização do questionamento, mas eu acho que a questão operacional continua pouco clara. Isso é bastante controverso quando se trata de um procedimento que gera multas, apuração de responsabilidade e agora, caso inobservado, configura um crime previsto no Código Penal.
Essa é uma dúvida que vem se arrastando desde a Instrução Normativa Seges/MP nº 2, de 2016. Está claro que o “ateste” ou “liquidação” compreende o ato do recebimento definitivo. Tudo bem, mas isso funciona de formas diferentes na aquisição de bens, na contratação de serviços e no pagamento antecipado. Nesse contexto, vínhamos arriscando resolver a questão da seguinte forma na unidade em que atuo na aplicação da Instrução Normativa Seges/MP nº 2, de 2016:
Aquisição de bens
A nota fiscal acompanha o material entregue por determinação da legislação. Dessa forma, na prática, o procedimento de verificação da conformidade da nota fiscal, em relação a valores e quantidades, acaba sendo feito em sede de recebimento provisório e definitivo.
Contratação de serviços
A Instrução Normativa Seges/MP nº 5, de 2017, trouxe o procedimento de emissão da nota fiscal após o recebimento definitivo, para evitar que o valor das glosas realizadas não repercutissem sobre os valores das retenções. É válido mencionar que o §10º do art. 2º da Instrução Normativa RFB/MF nº 1234, de 2012, é claro ao dizer que o valor das retenções incidem sobre o valor original da nota fiscal, no caso de não ser emitido novo documento fiscal com o valor redimensionado em razão de glosas. Nesse sentido, depois que ocorre o recebimento definitivo, ainda há um prazo para a empresa emitir a nota fiscal e uma verificação mínima da conformidade desse documento pela Administração.
Se a empresa atrasa a emissão da nota fiscal, o lapso desse atraso não é contado, pois tido como “qualquer situação que impeça o pagamento da despesa” (§2º do art. 4º da Instrução Normativa Seges/MP nº 2, de 2016). No contexto da nova norma, seria “solução de inconsistências” (§ 4º do art. 7º da Instrução Normativa Seges/ME nº 77, de 2022). Já o lapso entre a assinatura do termo de recebimento definitivo e o envio da comunicação à empresa para que emita a nota fiscal entra nesse meio, embora o hiato não ocorra por culpa da contratada, o que requer que a comunicação seja feita o mais rápido possível, para evitar prejudicá-la (e incorrer na hipótese de responsabilidade administrativa).
Pagamento antecipado
A emissão da nota fiscal ocorre antes dos recebimentos provisório e definitivo, ou seja, a verificação mínima da conformidade do documento fiscal (que nos serviços é feita no final) ocorre no início, nesse caso. Depois da prestação do objeto, ocorrerá os recebimentos e, no caso de valores a menor do que foram pagos, a empresa realiza a devolução.
Ocorre que eu nunca entendi que a realidade estava tratada de forma adequada na Instrução Normativa nº 2, de 2016, e isso se mantém na Instrução Normativa nº 77. Parece que a norma foi feita por alguém muito distante da prática. Isso se agrava, porque, em dada altura do Webinar, é dito para esquecermos a Instrução Normativa Seges/MP nº 5, de 2017, e focarmos no art. 63 da Lei nº 4.320, de 1964, como se aqueles procedimentos da 5, de 2017, fossem um parâmetro distante da realidade da Lei nº 14.133. Confesso que me soou estranho, primeiro porque, nas minutas da AGU, há uma assunção de que a Instrução Normativa nº 5, de 2017, pode ser aplicada com a Lei nº 14.133, em vários de seus dispositivos, em razão da Instrução Normativa Seges/ME nº 75, de 2021. Segundo, porque a Lei nº 4.320 como conhecemos hoje está aí há anos e não foi alterada nesse ponto. Terceiro, porque a Instrução Normativa Seges/MP nº 2, de 2016, traz também o tal “ateste”, sendo que esta norma está (ou deveria estar) em sintonia com a Instrução Normativa Seges/MP nº 5, de 2017.
Por fim, eu acredito que a melhor solução mesmo seria considerar que o “ateste” ou “liquidação” sempre finda com a conferência e aceitação do documento de cobrança, o que faz perder relevância, no contexto da ordem cronológica de pagamento, todo resto dos passos para “verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito” que estiverem previstos no contrato, bem como a ordem em que eles estiverem previstos para ocorrer. Na prática, seria um terceiro procedimento (além dos recebimentos provisório e definitivo), que implica diretamente na contagem do prazo de 10 dias úteis. No esquema abaixo, eu tentei ordenar as etapas e grifei de itálico e negrito aquilo que deve ser feito nos 10 dias úteis do inciso I do art. 7º da Instrução Normativa nº 77, a contar a partir do recebimento da nota fiscal:
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Aquisição de bens: (I) Entrega da nota fiscal - (II) Recebimento provisório - (III) Recebimento definitivo - (IV) Ateste da nota fiscal - (V) Pagamento
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Contratação de serviços: (I) Recebimento provisório - (II) Recebimento definitivo - (III) Comunicação para emissão da nota fiscal - (IV) Entrega da nota fiscal - (V) Ateste da nota fiscal - (VI) Pagamento
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Pagamento antecipado: (I) Entrega da nota fiscal - (II) Ateste da nota fiscal - (III) Pagamento - (IV) Recebimento provisório - (V) Recebimento definitivo
Percebam que, no caso dos bens, o posicionamento da entrega da nota fiscal muda completamente a contagem do prazo de 10 dias úteis, passando a incluir também os recebimentos provisório e definitivo.