Acho que um dos problemas relacionados ao teletrabalho é a forma extremado como ele é visto: ou romantizado, ou ignorado.
A começar, é preciso ter bom senso em quais tarefas podem ser feitas. E um dos problemas que vejo é que a sua própria implementação, também, vai ao extremo: você sai de um modelo de cumprimento de uma jornada fixa e passa a não ter o controle de jornada, e em troca, dá produtividade igual ou superior.
A versão romântica do teletrabalho é aquela em que o servidor imagina que tudo serão flores, agigantando problemas que em geral não são tão significativos: o tempo no trânsito, a flexibilidade de horário, uma pretensa sensação de liberdade, ou até mesmo uma maior concentraçaõ, foco, porque sai de um ambiente com interrupções naturais da chefia, barulho ou mesmo o colega que chama para um café.
Entretanto, quando vai para a prática, há um enorme risco de decepção: tudo bem, gasta-se menos com combustível, com lanches ou até mesmo com roupas, você tem um pouco mais de flexibilidade no horário, mas longe de ser o que imagina, e vai passar a ter custos e problemas que não imaginava: a conta de água vai subir, a de luz uma enormidade (principalmente quem não consegue trabalhar sem um ar condicionado). Terá que resolver sozinhos problemas relacionados à infraestrutura que antes estavam sob domínio da organização (se a internet e/ou eletricidade caem muito, talvez precise de um no break, um bom plano de dados de backup, ou mesmo duas conexões. O mobiliário da sua casa, pensado em passar algumas poucas horas do dia, e olhe lá e a forma como utiliza, terão que ser revistos, com melhoria ou mesmo substituição de itens como cadeiras, mesa, iluminação, adquirir um segundo monitor, atualizar o computador etc. É preciso separar trabalho e lazer mental e fisicamente: há uma enorme possibilidade de você preocupar-se demais com a casa ou com o trabalho e no final das contas ficar com a mente assoberbada e não fazer nada direito. Quem tende a ser muito introspectivo pode vir a fechar no seu “mundinho”, esquecer toda a organização, passar a fazer um trabalho cada vez menos relevante e perder o vínculo com a instituição. É preciso refletir como os efeitos se darão no longo prazo, especialmente os relacionados à produtividade.
Por outro lado, há forte resistência das chefias. A uma, porque claro, dá mais trabalho. Você passa de uma rotina que tem alguém à sua disposição e precisa trocar uma comunicação instantânea por sistemas baseados em “turnos”. É preciso definir e acompanhar a execução das tarefas. Naturalmente, não é todo servidor que tem o perfil adequado, e certamente você cria novos incidentes na sua equipe, tendo alguns tidos como privilegiados. Por isto, é tão fácil dizer um não, que imediatamente parece ter pouco impacto, mas pode ser uma bela forma de perder atratividade e talentos no futuro. Pense como hoje aquelas chefias que já adotam largamente o teletrabalho estão um passo à frente das demais e, quem sabe, são as que estarão prontas para as novas oportunidades de um novo normal?
Agora, de todos os problemas, o que certamente mais incomoda é a inexistência de um “meio termo”. Acho que é possível conceder aos servidores, num número maior de casos, a possibilidade do teletrabalho em regime parcial. Ou seja, trocar um turno ou algumas horas de trabalho, conforme o regime, por uma nova organização que se aproveite do melhor dos dois mundos: uma interação constante entre servidores, lembrando da importância fundamental do relacionamento da equipe, com a possibilidade de executar parte das tarefas, notadamente aquelas que são feitas sozinho e demandam foco, num outro ambiente. Creio que é algo que virá de gestores mais flexíveis quando chegarmos a uma conclusão dos benefícios e riscos do teletrabalho, de um próprio amadurecimento deste regime, em que não há um 0 ou 1, um preto ou branco, mas uma série de tons de cinza.