Conversando com Lulas e LLMs: IA em Compras Públicas
Franklin Brasil Santos
Auditor federal e pesquisador em Compras Públicas
7 de maio de 2025
A chegada
Tem um filme que eu adoro: “A Chegada”. Uns alienígenas esquisitões, lulas espaciais de sete braços, estacionam um feijãozão flutuante no meio do pasto e uma cientista tenta decifrar o que eles querem dizer com uns círculos psicodélicos pintados com tinta intergaláctica.
Gosto especialmente da ideia de que os heptápodes do espaço usam uma linguagem radicalmente diferente da nossa — circular, não-linear e holística.
A cientista, Louise, aprende a se comunicar com eles. Mas mais que isso: ela passa a perceber o tempo e a realidade de forma transformada.
Comigo tem acontecido algo semelhante. Não, não estou em contato com alienígenas (ainda!). Mas tenho explorado intensamente o universo das inteligências artificiais baseadas em grandes modelos de linguagem — os alienígenas LLMs, para os íntimos — no meu trabalho e nas pesquisas sobre compras públicas.
E, imitando a Louise, descobri que aprender a língua dessas máquinas não é apenas uma questão técnica. É uma jornada que transforma a forma como penso sobre problemas.
O primeiro contato: expectativas vs. realidade
Em 2023, uma lula digital de incontáveis braços matriciais resolveu estacionar sua nave de formato insondável bem no meio do meu notebook. Era o ChatGPT.
Como todo nerd empolgado, alimentei grandes expectativas: uma pergunta simples gerava respostas que pareciam saídas da boca de um especialista. Mas logo percebi: eu não falava a língua da IA.
“Faz um ETP para mim?”, eu dizia. E recebia um texto genérico, com cara de panfleto turístico, quando o que eu queria era um guia especializado.
Foi aí que caiu a ficha: eu estava apenas jogando palavras em português na direção geral do algoritmo — como quem tenta discutir jurisprudência com alguém que só entende sinais de fumaça.
Contatos imediatos do terceiro grau: a descoberta do metaprompt
A virada veio num curso da Enap com o excepcional humano Erick Muzart. A epifania: para aprender a língua dos LLMs, é preciso deixar que eles próprios nos ensinem.
É disso que se trata o metaprompt: Pedir à IA que te ajude a escrever um prompt melhor para ela mesma.
Tipo:
“Ei, alienígena amigável, como é que você prefere que eu me comunique contigo?”
Ou:
“Como posso formular um prompt mais eficaz para você me ajudar a criar um ETP para limpeza hospitalar?”
Testei isso em vários modelos: GPT, Gemini, Claude, Perplexity, DeepSeek… O resultado? Respostas muito mais detalhadas, especializadas e úteis. Às vezes, até melhor do que o esperado.
Você pode testar de graça no Arena LLM — sugiro o modo side by side para comparar modelos. Recomendo fortemente.
Decifração: os heptápodes das compras públicas
Assim como no filme, a linguagem da IA não é linear. É contextual, circular, integrada. Não é pão-recheio-molho como no Subway — é uma pizza de significados.
Exemplo prático?
Ao montar uma matriz de riscos, parei de perguntar “quais os riscos da contratação X?” e passei a perguntar:
Resultado: um mapa de riscos muito mais rico — quase um mapa estelar — considerando soberania de dados, interoperabilidade, lock-in…
Compreensão circular: o ciclo de aperfeiçoamento
Aprender heptapodês digital tem um ciclo:
- Formulação inicial: balbuciar algo em português
- Metaconversa: pedir ajuda para melhorar
- Reformulação: aplicar as dicas
- Avaliação crítica: identificar lacunas
- Iteração: refinar ainda mais
Como disse Wittgenstein:
“Os limites da minha linguagem definem até onde enxergo o mundo.”
Expandir a linguagem = expandir possibilidades.
Casos práticos: ETPs, pesquisas de preços e matrizes de risco
ETPs com superpoderes: Comece pedindo:
“Quais perguntas devo responder para caracterizar adequadamente a necessidade de um sistema de gestão de contratos em uma autarquia federal que ainda usa Excel como se estivéssemos em 1998?”
Pesquisa de preços mais inteligente:
“Ajude-me a formular o prompt ideal para definir o valor estimado de pneus 275/80r22, com fontes reais e atualizadas na Internet.”
Matriz de risco holística:
“Além dos riscos óbvios, que outras categorias e perguntas podem surpreender até o TCU?”
Ah, e vale lembrar:
“Ninguém sabe exatamente como a IA funciona” — palavras do CEO da Anthropic. Mas ela responde melhor quando perguntamos melhor.
E sim, a Anthropic criou um Prompt Improver para isso mesmo.
Aprendendo heptapodês digital: 6 dicas práticas
- Comece sem preconceito
- Descreva o contexto completo
- Especifique formato e propósito
- Itere com consciência
- Crie uma biblioteca de prompts
- Licite as respostas entre LLMs
O horizonte expandido: para além da eficiência
O verdadeiro valor do metaprompt não está só em fazer mais rápido. Está em mudar como pensamos.
Assim como Louise passou a ver o tempo de outra forma, passamos a ver problemas, soluções e decisões com mais clareza e profundidade.
No fim das contas, aprender a conversar com a IA é um gesto de humildade.
Reconhecer que a primeira pergunta talvez não seja a melhor. E que tudo melhora quando aprendemos a perguntar melhor.
Porque, como Louise aprendeu com os heptápodes…
Mudar a linguagem muda tudo.
Este texto foi escrito com o apoio de IAs generativas, inclusive no uso de metaprompt para estruturar ideias e escolher exemplos.