Diletos Nelquianos,
Compartilho leitura recente que reforçou os já sólidos pilares da convicção de que em compra pública o mais importante é o resultado pretendido, não o processo burocrático.
O TCU emitiu o Acórdão n. 1211/2021-P, com a seguinte ementa:
- Admitir a juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta, resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do processo (meio) sobre o resultado almejado (fim).
- O pregoeiro, durante as fases de julgamento das propostas e/ou habilitação, deve sanear eventuais erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes, nos termos dos arts. 8º, inciso XII, alínea “h”; 17, inciso VI; e 47 do Decreto 10.024/2019; sendo que a vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), NÃO ALCANÇA documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro.
Era um pregão eletrônico. O pregoeiro permitiu envio de documentos após a sessão pública.
Auditor do TCU entendeu que isso era errado, fundamentando em jurisprudência do Tribunal.
A direção da Selog discordou. Quis debater o assunto com a Seges/ME.
A Seges/ME discordou da Selog. Defendeu que o fornecedor não teria incentivo para estudar o edital, podendo sanear documentos depois da sessão pública.
O Relator, Walton Alencar, ponderou a vasta jurisprudência do Tribunal no sentido de que o edital não constitui um fim em si mesmo.
Com isso, defendeu que a vedação à inclusão de documento “que deveria constar originariamente da proposta” , prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993, deve se restringir ao que o licitante não dispunha materialmente no momento da licitação.
Isso porque admitir a juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes.
Além disso, para o Relator, com quem concordo, a Lei 10.520/2002, ao descrever a fase externa do pregão presencial, não proíbe a complementação da documentação de habilitação, tampouco veda a inclusão de novo documento.
Ratificando esse entendimento, o art. 64, inciso I, da Lei 14.133/2021 admite expressamente a possibilidade de diligência para a complementação de informações necessárias à apuração de fatos existentes à época da abertura do certame. É isso que valerá daqui pra frente, espero.
Fiquei, confesso, emocionado com a leitura desse julgado. Primeiro, pela lucidez da conclusão, com a qual concordo e cujo argumento já defendo há tempos, como consta da postagem no Nelca que cito a seguir. Também me emocionou o saudável e frutífero debate de ideias e posições dentro e fora do TCU. Isso é o que se espera de uma Administração Pública profissional, madura e consciente.
Torço para que essa visão se consolide em nossas repartições, hoje já não mais tão restritas às paredes que outrora nos limitavam, físicas e filosóficas. A visão de que compra pública não é um mero procedimento burocrático movido a Direito. Isso está longe de representar desprezo pelas regras e normas que regem a matéria. Mas é o reconhecimento de que, embora relevantes, as regras são apenas o meio para atingir o fim, esse, sim, primordial, de conduzir ao melhor resultado para a sociedade.