Home office compulsório: conciliação ou conflito de papéis?

Home office compulsório: conciliação ou conflito de papéis?

A busca por maior capacidade de conciliação trabalho-família figura como um dos principais motivos de adesão ao home office em pesquisa com 83 trabalhadores remotos brasileiros. Desses, 30% mencionaram espontaneamente que conseguiram dedicar-se mais aos cuidados dos filhos e/ou dos pais, além de citarem a possibilidade de realização de afazeres domésticos em horários alternativos. Todos os entrevistados aderiram voluntariamente à modalidade, homens e mulheres cumpriam suas metas indistintamente, mas o cenário mudou.

Ao revisar artigos científicos que tangenciam a questão de gênero em contexto de trabalho remoto (home office ou não), temos a oportunidade de repensar as nossas práticas e aquilo que estamos assumindo, mesmo que de modo inconsciente, como algo comum e aceitável.

Não se trata de um manifesto, mas de uma tentativa de desvelar que o trabalho remoto, nesse contexto de enfrentamento à Covid-19, pode não reunir condições adequadas para a manutenção do nível de produtividade que alguns gestores esperam, sobretudo quando a divisão das tarefas domésticas é desigual, quando há.

Uma pesquisa conduzida na Grã-Bretanha, por exemplo, aponta que as mulheres, especialmente as mães, conciliam trabalho e família de modo mais flexível, enquanto os homens tendem a delimitar o tempo dedicado ao trabalho e à família, importando a lógica do trabalho realizado no espaço da organização (Sullivan & Lewis, 2001).

Como ignorar o possível aumento da sobrecarga das mulheres, especialmente das mães, que limpam suas casas, cuidam de seus filhos e/ou pais, cozinham e ainda trabalham remotamente sem flexibilização de suas metas? Embora reconheçamos que há homens desempenhando alguns desses papéis, um eventual desequilíbrio na divisão de responsabilidades recai sobre quem?

Se não discutirmos essas questões em pouco tempo enfrentaremos outra realidade indesejável: a exaustão das mulheres “multitarefa” que cuidam de todos, exceto de si. Os gestores precisam estar atentos às situações de conflito trabalho-família, sobretudo em razão das expectativas dos membros da família sobre a maior disponibilidade da mulher para atuar em tarefas domésticas (Tremblay, 2002).

Estudo publicado em 2018 mostra que o impacto negativo do home office na capacidade de equilibrar o trabalho com as responsabilidades domésticas afeta homens e mulheres em uma sociedade com igualdade de gênero (Suécia). Contudo, em uma sociedade mais conservadora (Polônia), os homens são capazes de se desvencilhar da dupla jornada, ao contrário das mulheres (Kurowska, 2018).

Há evidências, com base em estudo longitudinal (ao longo do tempo), que acordos flexíveis, como o home office, podem exacerbar as desigualdades de gênero no mercado de trabalho, uma vez que os homens comumente realizam horas extras não remuneradas como estratégia de alta performance, enquanto que para mulheres com filhos essa alternativa pode não ser viável (Chung & Van der Horst, 2018).

Como gestor(a) você pode fazer diferente. Não se trata da diminuição da carga de trabalho em home office, ou de uma tentativa de segregação entre as capacidades laborais de homens e mulheres, mas de readequações frente às contingências que se apresentam em caráter excepcional. Tentaremos trabalhar como equipe ou continuaremos acreditando que o trabalho remoto compulsório em contexto de home office desafia igualmente homens e mulheres?

Juliana Legentil

Grupo de Pesquisa E-Trabalho UnB

www.teletrabalho.org

http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/470797

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De fato, o cenário mudou. Acho que vamos ter o AC e o DC no Teletrabalho. Antes e depois do corona.

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